segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tenho andado fraco

levanto a mão
é uma mão de macaco
tenho andado só
lembrando que sou pó
tenho andado tanto
diabo querendo ser santo
tenho andado cheio
o copo pelo meio
tenho andado sem pai
yo no creo en caminos
pero que los hay
hay

Paulo Leminski


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Toda vez que eu digo não, a palavra encolhe


o Desbanca?
é vaidade, perdão!
passa ilusão
Liberdade, não.

Desbanca!
não passa!
maior Que o perdão é a Liberdade.

é vaidade maior o perdão?
Liberdade,
ilusão Que não passa.

Liberdade!
Vaidade, não.
maior ilusão é o perdão
De Que(m) passa. 

Perdão, vaidade!
é a Liberdade.
passa, não.

maior Liberdade Desbanca o não.
Perdão,
vaidade,
ilusão,
passa!


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita…
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mário Quintana

Viver


Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!

Mario Quintana

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Conjugação




Para o A. Cruzeiro Seixas

A construção dos poemas é uma vela aberta ao meio
             e coberta de bolor
é a suspensão momentânea dum arrepio num dente
             fino
Como Uma Agulha

A construção dos poemas
A CONS
TRU
ÇÃO DOS
POEMAS

é como matar muitas pulgas com unhas de oiro azul
é como amar formigas brancas obsessivamente junto
             ao peito
olhar uma paisagem em frente e ver um abismo
ver o abismo e sentir uma pedrada nas costas
sentir a pedrada e imaginar-se sem pensar de repente

                            NUM TÚMULO EXAUSTIVO.

António Maria Lisboa, em "Ossóptico e Outros Poemas"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Tempo da lenda das amendoeiras

Romance da Princesa do País dos Gelos que em Terras da Moirama Suspirava Contando em Louvor da Fantasia dum Povo que Nasce, Vive e Morre entre o Céu e a Água.


Era uma vez um país
Na ponta do fim do mundo
Onde o mar não tinha eco
Onde o céu não tinha fundo.
Onde longe longe longe
Mais longe que a ventania
Mais longe que a flor de sombra
Ou a flor da maresia
Em sete lagos de pedra
Sete castelos de nuvens
Em sete cristais de gelo
Uma princesa vivia.



A Princesa
Em sete cristais de gelo
Nesse país eu vivia.



Era uma vez um país
Na ponta do fim do mundo
Onde o mar não tinha eco
Onde o céu não tinha fundo.
Onde longe longe longe
Mais longe que a luz do dia
Com a sua coroa de abetos
E seus anéis de silêncio
Suas sandálias de tempo
Seu tear de nostalgia
Uma princesa tecia
O seu tapete de espanto
No fio da fantasia
Do seu casulo de encanto.



A Princesa
O meu tapete de espanto
Num tear de nostalgia.



Era longe longe longe
Mais longe que a luz do dia.



Tinha cabelos de rio
Olhar de brisa serena
Boca de rosa de estio
Vermelha, porém pequena.



Tinha cintura de bruma
Andar de orquídea de neve
Perfume de flor nenhuma
Intensa, porém mas breve.


Em seu corpete bordado
Os seios duros trazia
Virgem de sangue domado
Contida, porém não fria.


Era longe longe longe
Mais longe que a luz do dia.


E enquanto em sete cristais
Sete anémonas de espanto
Enquanto em sete corais
Uma princesa tecia
O seu tapete de espanto
Num tear de nostalgia
Levava-lhe o vento os ais
Por mares ares tormentas
Ondas naufrágios marés
Ilhas iras sons e escolhos
Para longe longe longe
Mais longe que a luz dos olhos.


Levava-lhe o vento os ais
Para uma terra distante
Bordada de laranjais
Vestida de céu brilhante
Onde com sete punhais
sete crescentes de lua
sete pecados mortais
em seus olhos faiscantes
um rei poderoso montava
sete cavalos possantes.
Levava-lhe o vento os ais
Para uma terra distante
Onde o céu era lidado
Na arena da maré cheia.
Terra de cheiro molhado
Terra de cravos de carne
Onde o silêncio escoado
Pelos aromas do nardo
Molhava de mel de sombra
Os lábios secos da tarde.
Levava-lhe o vento os ais

Para uma terra distante
Terra de festas de sangue
Baía de cimitarra
Moiras com olhos de alfange
Onde o amor se matava
Terra terraço mirante
Aonde o mar se mirava
Umbela de flor gigante
Colo moreno de escrava
Terra pantera ondulante
Terra guitarra tocada
Pelo barulho das folhas
Mexendo de madrugada.

Terra distante distante
Onde seus ais repousava.


Ouviu-lhe o rei o suspiro
Quando em seu castelo estava.
Mandou guardar seus cavalos
Suas bandeiras reais
Mandou fechar suas portas
Seus pátios suas janelas
Afogar a horas mortas
Sete pecados mortais
Em suas sete cisternas
E aparelhar um veleiro
Com velas soltas de espuma
Para cruzar sete mares
Sete céus de nevoeiro
Sete procelas de inverno
Sete postigos de bruma
Sete correntes de inferno
Sete cabos de segredos
Sete caminhos de medos
Sete muralhas de fumo
Até encontrar os olhos
Até encontrar os dedos
Do suspiro que o chamava
Da ponta do fim do mundo.
( .................)



O Rei



Fi-la rainha do vento
Rainha da maresia
Sombra do meu pensamento
Pedra da minha magia
Janela do meu palácio
Fresta de melancolia
Por onde passava o sol
Que ao país dos sete gelos
o meu desejo trazia.
Fi-la rainha do sangue
Que em minhas veias corria.
Rainha da ferida aberta
De que o meu povo sofria
Da chaga das descobertas
Que nos seus flancos se abria
Daquelas portas abertas
Onde o mar o fecharia
Daquelas ondas redondas
Onde o sonho o enredaria
Daquelas ilhas desertas
Onde a água o prenderia
E com a adaga dos olhos
O veneno da memória
A distância o marcaria
Para cadáver da história.
Rainha da minha audácia
E da minha cobardia
Dos copos da minha espada
Do punho da minha angústia
Da minha boca molhada
Pela saliva de Agosto
Dos poros da minha pele
Dos cabelos do meu peito
Da pedra do meu anel
E dos lençóis do meu leito

Era rainha a princesa
Que no silêncio dormia
Ungida pelo desejo
Coroada pelo agrado
Dum rei moiro que bebia
Pela chaga do seu lado
Em vez de cidra macia
Sangue de virgem sagrado.
Era rainha a princesa
E o seu reino consumado.


E depois de sete luas
De sete noites de chama
De sete donzelas nuas
Ardendo na sua cama
Levou o rei a princesa
Num carro de labaredas
Por montes vales caminhos
Serras atalhos veredas
Tergos cerros e devezas
Para longe longe longe
Mais longe que a tristeza.
(...................)
Ary dos Santos

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

João Cabral de Melo Neto
Não faço o que quero
faço o que posso.
E o que posso passa
pelo passo da dificuldade.

Palavras tenho poucas,
duras, despidas estacas,
complicando a minha escolha.

Ermas e perfiladas
ergo-as ao sol na vertical
e são monótonas e dão sombra.

Com elas levanto quatro nuas
paredes, um tecto em forma
de prece. Dificilmente
construo uma casa fácil

Fácil é fazer difícil,
difícil fazer o fácil.


Rui Knopfli

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Para o Zé




Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe - os
lábios carnudos como os de uma negra.

Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".

Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.


Adélia Prado

Opto pelo olhar estetizante, com epígrafe de mulher moderna desconhecida.("Não estou conseguindo explicar minha ternura, minha ternura, entende?") Não sou rato de biblioteca, não entendo quase aquele museu da praça, não tenho embalo de produção, não nasci para cigana, e também tenho o chamado olho com pecados. Nem aqui? Recito WW pra você: "Amor, isto não é um livro, sou eu, sou eu que você segura e sou eu que te seguro (é de noite? Estivemos juntos e sozinhos?), caio das páginas dos teus braços, teus dedos me entorpecem, teu hálito, te pulso, mergulho dos pés à cabeça, delícia, e chega-
Chega de saudade, segredo, impromptu, chega de presente deslizando, chega de passado em videoteipe impossivelmente veloz, repeat, repeat. Toma este beijo só pra você e não me esquece mais. Trabalhei o dia inteiro e agora me retiro, agora repouso minhas cartase traduções de muitas origens, me espera uma esfera mais real que a sonhada, mais direta, dardos à minha volta, Adeus!
Lembrei minhas palavras uma a uma. Eu poderei voltar. Te amo, e parto, eu incorpóreo, trunfante, morto.

Ana Cristina Cesar

domingo, 16 de janeiro de 2011

Um Sorriso

Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui em baixo?
senão colher com a repentina
mão de delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?

Ferreira Gullar

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Minha Alegria



minha alegria permanece eternidades soterrada
e só sobe para a superfície
através dos tubos alquímicos
e não da causalidade natural.
ela é filha bastarda do desvio e da desgraça,
minha alegria:
um diamante gerado pela combustão,
como rescaldo final de um incêndio. 


Waly Salomão
Cansei de ouvir abobrinhas
                                                           vou consultar escarolas
prefiro escutar salsinhas
                              pedir consolo às papoulas
                                                                                           e às carambolas 
pedir um help ao repolho


                                   indagar umas espigas  
             
aprender com pés de alho          
                       ouvir dicas das urtigas                                                               

e dessas tulipas
                      um toque pro miosótis
                                                                                 um palpite do alpiste
uma luz da flor de lótus
                                             pedir alento ao cipreste
                                    e pra dama da noite
                                                                                    pedir conselho à serralha
            sugestão pro almeirão
                                                                  idéias para azaléias
opinião para o limão, pimentão
                                               abobrinhas não!
                                                                                                                                Itamar Assumpção

domingo, 9 de janeiro de 2011

descuido não (concentração)
                    lembrar da caretice que você não gosta.
                    reaproveitar o casaquinho de banton.
                    quando você mal pensa que é novidade, não é.
                    Existe uma medida entre o descuido e a
                    premeditação — trata-se do cuidado (floating
                    attention). Daí escapam maps of England birds, pessoas seguindo numa certa direção,
                    bichos que vão virando gente, discretamente eróticos, desejando
                    mancha transparente e diluída de aquarela cor de rosa,
                    see?
                    Medida exata entre o acaso e a estrutura.
                    Aprender fazendo, baby.
                    começar pelas médias (daí para pequenas, depois para grandes)

sábado, 8 de janeiro de 2011

"If"



Meu filho, se acaso chegares, como eu cheguei a uma campina de horizontes
arqueados, não te intimidem o uivo do lobo, o bramido do tigre;
enfrenta-os nas esquinas da selva, olhos nos olhos, dedo firme no
gatilho.

Meu filho, se acaso chegares a um mundo injusto e triste como este em
que vivo, faze um filho; para que ele alcance um tempo mais longe
e mais puro, e ajude a redimi-lo.

Paulo Mendes Campos 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Enchantagem



de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

...esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

Paulo Leminski


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Olho do poeta



Somente só
Somente só serei alguém
Alguém que vá alem
Alem das vontades
Alem das vaidades
Alem dos deslumbres
E dos males que trazem

Só 
Somente só
Somente só vou aprender
A olhar e realmente ver
Que os contornos do belo
Podem deixar cego
E os olhos da alma
São o que ha de sincero

Gualter



É tempo de me veres

Sacode as nuvens que te pousam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Alberto Caeiro

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Planos para 2011


1) Me apaixonar pelo invisível
2) Restaurar amizades guardadas no tempo
3) Chamar o dragão
4) Usar o sol de segunda a sexta e o mar no final de semana
5)  Encomendar 33 toneladas de crianças
6) Fazer poemas para vaga-lumes
7) Exercitar o estranho e o impossível
8) Abrir caixinhas de música
9) Fotografar Paulo Leminski  nu
10) Mergulhar nos meus buracos