sábado, 25 de dezembro de 2010

Lista De Preferências


Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.

Bertolt Brecht

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Soneto do Orfeu

São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar, que atua desvairado
Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Uma mulher que é feita de música,
Luar e sentimento, e que a vida
Não quer, de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento,
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Feliz natal



- Me ensina a ser dependente na medida correta da contra mão?
- Como assim?
- Sei lá. Amarrar passarinhos sem gaiola. Esculpir promessas em espuma do oceano. Contar-te histórias das conchinhas. Ao invés de enlatados, fazer feijão com arroz no almoço para as crianças. Coragens congeladas nem na Patagônia.
- Ai, esse seu olho. O que lhe falta é uma dose de espírito natalino.

- Então, pega lá na adega.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pra Quem Ainda Vier a me Amar

Quero dizer que te amo só de amor.
Sem idéias, palavras, pensamentos.
Quero fazer que te amo só de amor.
Com sentimentos, sentidos, emoções.
Quero curtir que te amo só de amor.
Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo.
Quero querer que te amo só de amor.
São sombras as palavras no papel.
Claro-escuros projetados pelo amor, dos delírios e dos mistérios do prazer.
Apenas sombras as palavras no papel.
Ser-não-ser refratados pelo amor no sexo e nos sonhos dos amantes.
Fátuas sombras as palavras no papel.
Meu amor te escrevo feito um poema de carne, sangue, nervos e sêmen.
São versos que pulsam, gemem e fecundam.
Meu poema se encanta feito o amor dos bichos livres às urgências dos cios e que jogam, brincam, cantam e dançam fazendo o amor como faço o poema.
Quero a vida as claras superfícies onde terminam e começam meus
amores.
Eu te sinto na pele, e no coração.
Quero do amor as tenras superfícies onde a vida é lírica porque telúrica, onde sou épico porque ébrio e lúbrico.
Quero genitais todas as nossas superfícies.
Não há limites para o prazer, meu grande amor, mas virá sempre
antes, não depois da excitação.
Meu grande amor, o infinito é um recomeço.
Não há limites para se viver um grande amor.
Mas só te amo porque me dás o gozo e não gozo mais porque eu te amo. Não há limites para o fim de um grande amor.
Nossa nudez, juntos, não se completa nunca, mesmo quando se tornam
quentes e congestionadas, úmidas e latejantes todas as mucosas.
A nudez a dois não acontece nunca, porque nos vestimos um com o corpo do outro, para inventar deuses na solidão do nós.
Por isso a nudez, no amor, não satisfaz nunca.
Porque eu te amo, tu não precisas de mim.
Porque tu me amas, eu não preciso de ti.
No amor, jamais nos deixamos de completar.
Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.
O amor é tanto, não quanto.
Amar é enquanto, portanto. Ponto.

 Roberto Freire

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Infância



é quando as portas são fechadas
e abertas ao mesmo tempo,
é quando estamos metade na luz
e a outra metade na escuridão,
é quando o mundo real chama
e preferimos outro...

Mário Quintana, em: Esconderijos do Tempo


Se o poeta falar num gato

Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios
e nunca chegou à cidade...
se falar numa esquina mal e mal iluminada...
numa sacada... num jogo de dominó...
se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade...
se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol...
Se não falar em nada
e disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!

De Mario Quintana em Esconderijos do Tempo

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Saudade de tudo

Werner Bishop

Saudade, essencial e orgânica,

...de horas passadas

que eu podia viver e não vivi!...

Saudade de gente que não conheço,

de amigos nascidos noutras terras,

de almas órfas e irmãs,

de minha gente dispersa,

que talvez ainha hoje espere por mim...



Saudade triste do passado,

saudade gloriosa do futuro,

saudade de todos os presentes

vividos fora de mim!...



Pressa!...

Ânsia voraz de me fazer em muitos,

fome angustiosa da fusão de tudo,

sede da volta final

da grande experiência:

uma só alma em um só corpo,

uma só alma-corpo,

um só,

um!...

Como quem fecha numa gota

o Oceano,

afogado no fundo de si mesmo...


João Guimarães Rosa


domingo, 12 de dezembro de 2010



Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos -
um poço fitando o céu.

Fernando Pessoa 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Girassol

Sempre que o sol

Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel

Roda, roda, roda
Carrossel

Roda, roda, roda
Rodador
Vai rodando, dando mel
Vai rodando, dando flor

Sempre que o sol
Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel

Roda, roda, roda
Carrossel

Gira, gira, gira
Girassol
Redondinho como o céu
Marelinho como o sol

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Se cada dia cai

Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Menta


A beleza está no olho.
Alegria, na vontade.
... amor, uma poética garrafa de cana.
Navega, rapaziada, navega.

Eita vida barulhenta.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Defesa da Alegria


Haruo Horrara
 Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
...das ausências transitórias
e das definitivas


Defender a alegria como um princípio
defendê-la da surpresa e dos pesadelos
dos neutros e dos nêutrons
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos


Defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e dos canalhas
da retórica e das paradas cardíacas
das endemias e das academias



Defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e do fardo
da obrigação de estarmos alegres



Defender a alegria como uma certeza
defendê-la do óxido e da sujeira
da famosa ilusão do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso


Defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e dos lamentos
do azar e também da alegria

Mario Benedetti


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O morto e o vivo

Inútil pedir
perdão
dizer
que o traz
no coração
O morto não ouve.

Ferreira Gullar

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Além da Terra, além do Céu

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente,
acima das gramáticas e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver
 
Carlos Drummond de Andrade - em Amar se Aprende Amando