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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A fábrica do poema



lee.misook
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
sob que máscara retornará?
sob que máscara?



Waly Salomão


domingo, 5 de maio de 2013


conrad.roset

SAUDADE é uma palavra
Da língua portuguesa
A cujo enxurro
Sou sempre avesso
SAUDADE é uma palavra

... A ser banida
Do uso corrente
Da expressão coloquial
Da assembléia constituinte
Do dicionário
Da onomástica
Do epistolário
Da inscrição tumular
Da carta geográfica
Da canção popular
Da fantasmática do corpo
Do mapa da afeição
Da praia do poema
Pra não depositar
Aluvião
Aqui nesta ribeira.

Waly Salomão



quinta-feira, 10 de março de 2011

Estética da recepção


Turris eburnea.
Que o poeta brutalista é o espeto do cão.
Seu lar esburacado na lapa abrupta. Acolá ele vira onça
e cutuca o mundo com vara curta.
O mundo de dura crosta é de natural mudo,
e o poeta é o anjo da guarda
___________do santo do pau-oco.
Abre os poros, pipoca as pálpebras, e, com a pá virada,
mija em leque no cururu malocado na cruz da encruzilhada.
Cachaças para capotar e enrascar-se em palpos de aranha.

Ó mundo de surdas víboras sem papas nas línguas cindidas,
__________serpes, serpentes,
já que o poeta mimético se lambuza de mel silvestre,
carrega antenas de gafanhoto mas não posa de profeta:
________________________"Ó voz clamando no deserto."
Pois eu, pitonisa, falo que ele, poeta,
_______não permite que sua pele crie calo
dado que o mundo é de áspera epiderme
_____________como a casca rugosa de um fero rinoceronte
_____________ou de um extrapoemático elefante
posto que nas entranhas do poema os estofos do elefante
_______são sedas
_______________delicadezas
______________________carências de humano paquiderme.

É o mundo ocluso e mouco amasiado ao poeta gris e oco.
Caatinga de grotão seco atada à gamela de pirão pouco.
Suportar a vaziez.
Suportar a vaziez como um faquir que come sua própria fome
e, sem embargo, destituído quiçá do usucapião e usufruto do tino
com a debandada de qualquer noção de impresso prazo de jejum.

_____________Suportar a vaziez.
_____________Suportar a vaziez.
_____________Suportar a vaziez.


Sem fanfarras, o vazio não carece delas.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Minha Alegria



minha alegria permanece eternidades soterrada
e só sobe para a superfície
através dos tubos alquímicos
e não da causalidade natural.
ela é filha bastarda do desvio e da desgraça,
minha alegria:
um diamante gerado pela combustão,
como rescaldo final de um incêndio. 


Waly Salomão

sábado, 17 de outubro de 2009

A missa do Morro dos Prazeres



Sursum corda.
Ao alto os corações.
Subir,
com toda alegoria em cima,
subir,
subir a parada
que a lua cheia é a hóstia consagrada na vala negra aberta,
subir,
que o foguetório anuncia a chegada do carregamento,
subir,
querubim errante transformista,
subir,
o incensório da esquadrilha da fumaça-mãe,
subir,
como se inalasse a neve do Monte Fuji,
subir,
o visgo da jaca já gruda na pele,
subir,
salvam pipocos da chefia do movimento,
subir,
soou a hora da elevação,
subir que o morro é batizado
com a graça de Morro dos Prazeres
- topograficamente situado no Rio de Janeiro.
Subir o morro
que a missa católica do asfalto
- sem os paramentos e as jaculatórias do latim da infância -
pouco difere de reunião de condomínio,
sacrifício sem entusiasmós.


Waly Salomão