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quinta-feira, 24 de março de 2011

um poema quase ficcionado


Eu vejo-te beber numa fonte com minúsculas
mãos azuis, não, as tuas mãos não são minúsculas
são pequenas, e a fonte é em França
donde tu me escreveste aquela última carta e
que eu respondi e nunca mais soube nada de ti.
tu costumavas escrever poemas sem sentido sobre
ANJOS E DEUS, todos em maiúsculas, e tu
conhecias artistas famosos e a grande parte deles
eram teus amantes, e eu escrevi-te de novo, tudo está bem
continua, entra nas suas vidas, eu não sou ciumento
pois nunca nos conhecemos. estivemos perto um do outro em
Nova Orleãns, pouco tempo, mas nunca nos conhecemos, nunca
nos tocámos, e tu continuaste com os famosos e escreveste
sobre os famosos, e, claro, aquilo que descobriste
é que os famosos estão é preocupados
com a sua fama - não com a jovem e bela rapariga que está
na cama com eles, que lhes dá aquilo, e depois acorda
de manhã para escrever em maiúsculas poemas sobre
ANJOS E DEUS. nós sabemos que Deus está morto, eles
disseram-nos, mas ao ouvir-te deixei de ter certeza.
Talvez fossem as maiúsculas. tu eras uma das melhores
poetas femininas e eu disse aos editores, "ela, publiquem-na,
ela é louca mas é mágica. "nenhuma mentira no seu fogo".
Eu amo-te como um homem ama uma mulher que nunca tocou,
que só lhe escreve, e guarda dela poucas fotografias. eu teria te
amado mais se tivesse sentado num pequeno quarto
a enrolar um cigarro e a ouvir-te mijar no quarto-de-banho,
mas isso nunca aconteceu. as tuas cartas ficaram cada vez mais
tristes.
os teus amantes traíram-te. rapariga, escrevi mais tarde, todos
os amantes traem. mas isso não ajudou. tu disseste
que tinhas um banco onde ias chorar e era junto a uma ponte e
essa ponte era sobre um rio e tu sentavas-te lá todas as noites
e choravas por todos os amantes que te tinham magoado e
esquecido. eu escrevi-te de novo mas nunca
obtive resposta. um amigo escreveu-me e contou-me
do teu suicídio, 3 ou 4 meses depois de acontecer. se eu te tivesse
conhecido provavelmente seria injusto contigo
e tu comigo. foi melhor assim.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Amar: Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados
desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no outro.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011


Ousa.
E o mais fundo de mim
Me diz apenas: Canta,
Porque à tua volta
É noite. O ser descansa.



Hilda Hilst
. Exercícios. São Paulo: Globo, 2002. p 29/30

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Alberto Caeiro

sábado, 25 de dezembro de 2010

Lista De Preferências


Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.

Bertolt Brecht

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"1. Aquilo que repercute em mim, é o que aprendo com meu corpo: alguma coisa fina e aguda acorda bruscamente este corpo que, nesse intervalo de tempo, estava adormecido no conhecimento racional de uma situação geral: a palavra, a imagem, o pensamento agem como um chicote. Mas meu corpo interior começa a vibrar como se sacudido por trompetes que se respondem e se sobrepõem: a incitação provoca um rastro, o rastro se espalha e tudo fica (mais ou menos rapidamente) arrasado. No imaginário amoroso, nada distingue a provocação mais fútil de um fato realmente conseqüente; o tempo é sacudido para a frente (me sobem à cabeça predições catastróficas) e para trás (me lembro atemorizado dos 'precedentes'): a partir de um nada, todo um discurso da lembrança e da morte se eleva e toma conta de mim: é o reino da memória, arma de repercussão - do 'ressentimento'.

2. Quando as frases lhe faltavam, Flaubert se jogava no sofá: ficava em 'vinha-d'olhos'. Se a coisa repercute com muita força, ela provoca uma tal confusão no meu corpo que sou obrigado a parar tudo o que estou fazendo; me deito na cama, e deixo passar a 'tempestade interior' sem lutar; ao contrário do monge zen, que se esvazia de imagens, deixo que elas me encham, sinto seu amargor até o fim."

Fragmentos de um discurso amoroso, Roland Barthes

domingo, 18 de outubro de 2009

Casca

Franz, abre a porta.
Me deixe enlouquecer.
Seu pai está deitado no sofá da sala.
Ele pode está morto. Não sei.
Eu que desejo a morte do meu,
talvez.
Preciso arrumar o quarto para escrever.
Começo pelas gavetas, papéis ou roupas? Indefinido?
Começou o horário de verão.
Faz um ano que rasguei o projeto de férias em alguma cidade aguada de cachoeira.
Minha garganta está seca.
Você bem disse que eu não levantasse da cama,
mas estava com medo,
tive sonhos acelerados.
Acordei com a mandíbula pressionada.
Fui vagar na rua, encher o pulmão de fumaça.
Me diga, quando eu vou morrer?
Franz, me alegra a vida,
especialmente quando vem acompanhada de molho de tomate e macarrão.
Os legumes e frutas dispostos no interior do ônibus também são lindos.
Reparou como meus olhos são castanhos? São como mel? Não?Tudo bem.
Tenho mel na prateleira que adoce seus sulcos.
Estou com muito sono hoje.
Não consigo te escutar perfeitamente do outro lado da porta.
Abra a janela ao menos.
Esta não é a hora dos insetos voadores.
Espere, vou apagar meus olhos alguns instantes.
É que a louça está acumulando na pia da cozinha e esta é a medida de minha loucura.
Ou diversão, depende se é carnaval.
Também me agrada continuar a conversa,
mas seu pai me fez chorar.
Meus olhos estão ardendo.
Não consegui ler os versos sem falsear a voz.
Me comprazi com a finura de seus nervos e o espetáculo de seu gênio.
Um perfeito canalha, como aquele que me deu meu sangue.
Que herança.
Por isso, te perdôo por deixar-me sozinha com ele na sala.
Caso esteja realmente morto,
saiba que não o servi nem ao menos chá.
A não ser que o sal de minhas lágrimas tenha gerado alguma espécie de alergia fatal.
Se o matei, não foi proposital.
Ele já estava morto, como o meu está desde um tempo muito amargo de pronunciar.
A cor dos meus lençóis são verde e violeta.
As violetas estão tão floridas na soleira da janela.
Abre a janela.
Prometo que não vou me jogar, tem macarrão para a ceia.
Franz, viver precipita.
Procura o sentido no dicionário.
Queda, caída, descida rápida.
Extrema velocidade.
Grande pressão.
Afobação.
Ou quem sabe Deus tenha intenções químicas e resolveu separar
nossa matéria em forma de sedimento
do líquido onde se encontra dissolvido nossa existência.
Muito mais inteligente do que eu, você deve saber
ou fingir que sabe.
Adiantou em uma hora o relógio?
Morto faz isso?
Uma hora que passou e não vivi.
A única hora do ano que não envelheci uma hora.
Eu sei. O poema não acabou.
Não fique nervoso comigo,
tenho obrigações a cumprir ainda neste dia.
Preciso circular os anúncios no jornal.
Revisar os textos.
E urgentemente diminuir a pilha de louça na pia da cozinha.
Evitar baratas, sou péssima em matá-las.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Três cantos de despedida

Acabou a batucada. Meu desejo caiu de mingua.
Ao invés de lamber os relevos de seu peito,
vou beber dos contornos do meu coração violeta.
Vou cavar mais fundo nas terras do meu jardim
e dar mel das ruínas de sua desvontade.
Seu meio tom é canção de menina
Meus versos são de mulher que quer
Sente
Pronuncia.
Diante da figura parada do homem,
Desvio trinta mil passos para continuar dançando.
Ele quer brincar de Rapunzel.
Parado na torre
Eu quero a Terra do Nunca.
Não vou insistir.
Vou calar Maria no seu ouvido.
Quando é época de estiagem em uma das beiradas
amor não pega,
não se voa fora da asa
nunca chega manhã de setembro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Será o poeta um fingidor?
Como nem ele alcança a necessária medida dos nervos?
Será que imagina suas lágrimas ou enlouquece?
Respostas são bem vindas.
Eu não aguento e as procuro em Pessoa.
Mas ele está dormindo. Não responde. Ou não me escuta.
Provavelmente, finge, como o bom poeta que é.