domingo, 28 de novembro de 2010
Disfarça, tem gente
olhando.
Uns
olham pro alto,
cometas,
luas, galáxias.
Outros,
olham de banda,
lunetas,
luares, sintaxes.
...De
frente ou de lado,
sempre
tem gente olhando,
olhando
ou sendo olhado.
Outros
olham para baixo,
procurando
algum vestígio
do
tempo que a gente acha,
em
busca do espaço perdido.
Raros
olham para dentro,
já
que dentro não tem nada.
Apenas
um peso imenso,
a
alma, esse conto de fada.
Paulo
Leminski
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
domingo, 21 de novembro de 2010
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
- Agora és livre, se ainda recordas
Cecília Meireles
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
- Agora és livre, se ainda recordas
Cecília Meireles
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
O luar
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...
Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
Augusto dos Anjos
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...
Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
Augusto dos Anjos
domingo, 7 de novembro de 2010
Depois do Jantar
Arthur Lavine |
Também, que idéia a sua:
andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.
O
vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto
ia pedir-lhe um auxílio.
—
Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?
—
Não fumo, respondeu o outro.
Então
ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou orelógio:
—
9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.
—
Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.— Como?
—
Já disse. Vai passando o relógio.
—
Mas ...
—
Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.
—
Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha
enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.
O
outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio
mudou
de
dono.
—
Agora posso continuar?
—
Continuar o quê?
—
O passeio. Eu estava passeando, não viu?
—
Vi, sim. Espera um pouco.
—
Esperar o quê?
—
Passa a carteira.
—
Mas...
—
Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?
—
Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer,
veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...
—
E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?
—
Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.
—
Diga.
—
Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.
—
Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto
do assalto?
—
Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?
—
É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do
cara. Sou civilizado, manja?
—
Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me
faz falta, palavra de honra.
—
Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.
—
Não precisa, não precisa.
—
Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me
assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.
—
Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.
—
Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?
—
Claro.
—
Você, o assaltado. Certo?
—
Confere.
—
Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.
—
Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais
dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo
é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e
disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.
-Tá
bom, não se discute.
—
Vamos, procure nos... nos escaninhos.
—
Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você
me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.
—
Deixe ao menos tirar os documentos?
—
Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você,
isso de jeito nenhum. É contra as regras.
—
Nem uma de quinhentos? Uma só.
—
Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você
precisa. Pela pinta se vê que mora perto.
—
Nem eu ia aceitar dinheiro de você.
—
Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom,
tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.
Sacou
da arma e deu-lhe um tiro no pé.
Carlos
Drummond de Andrade, Texto extraído do livro "Os dias lindos",
Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977, pág. 54.
Posso
Cais, às vezes, afundas
em
teu fosso de silêncio,
em
teu abismo de orgulhosa cólera,
e
mal consegues
voltar,
trazendo restos
do
que achaste
pelas
profunduras da tua existência.
Meu
amor, o que encontras
em
teu poço fechado?
Algas,
pântanos, rochas?
O
que vês, de olhos cegos,
rancorosa
e ferida?
Não
acharás, amor,
no
poço em que cais
o
que na altura guardo para ti:
um
ramo de jasmins todo orvalhado,
um
beijo mais profundo que esse abismo.
Não
me temas, não caias
de
novo em teu rancor.
Sacode
a minha palavra que te veio ferir
e
deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela
voltará a ferir-me
sem
que tu a dirijas,
porque
foi carregada com um instante duro
e
esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa
me sorri
se
minha boca fere.
Não
sou um pastor doce
como
em contos de fadas,
mas
um lenhador que comparte contigo
terras,
vento e espinhos das montanhas.
Dá-me
amor, me sorri
e
me ajuda a ser bom.
Não
te firas em mim, seria inútil,
não
me firas a mim porque te feres.
Pablo
Neruda
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Prefácio
Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) -
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
dependimentos demais
e tarefas muitas -
os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
que as moscas iriam iluminar
o silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
que as moscas não davam conta de iluminar o
silêncio das coisas anônimas -
passaram essa tarefa para os poetas.
Manoel de Barros
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
dependimentos demais
e tarefas muitas -
os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
que as moscas iriam iluminar
o silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
que as moscas não davam conta de iluminar o
silêncio das coisas anônimas -
passaram essa tarefa para os poetas.
Manoel de Barros
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Aqui é a mentira do avesso
Fugiu a onça,
ronda
nas imediações, talvez.
são
seus rastros
abismos
leves e íngremes?
o
truque no lado grosso da mulher alfa são seus entulhos.
Afinal,
nos translimites do saber fabricam-se o ser.
E
este é o pretexto do núcleo do parafuso
Querer
ter filhos com passarinhos.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Mulher eleitora
Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba.
Carlos Drummond de Andrade
Mietta Santiago (pseudônimo de Maria Ernestina Carneiro Santiago de Souza), mineira educada na Europa, com 20 anos retornou do velho mundo e descobriu, em 1928, que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição Brasileira de 24 de fevereiro 1891, então em vigor. Com garantia de sentença judicial (fato inédito no país), proferida em Mandado de Segurança, conquistou o direito de votar.O que de fato fez, votando em si mesma para uma vaga de deputada federal. Acreditem, Mietta não foi eleita. Escritora, advogada e oradora competente, frequentava com desenvoltura o círculo de políticos, como também as rodas boêmias dos escritores mineiros, tais como Pedro Nava, Drummond, Abgar Renault e outros. Carlos Drummond de Andrade, impressionado com a conquista do voto feminino, dedicou a Mietta o poema "Mulher Eleitora"
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba.
Carlos Drummond de Andrade
Mietta Santiago (pseudônimo de Maria Ernestina Carneiro Santiago de Souza), mineira educada na Europa, com 20 anos retornou do velho mundo e descobriu, em 1928, que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição Brasileira de 24 de fevereiro 1891, então em vigor. Com garantia de sentença judicial (fato inédito no país), proferida em Mandado de Segurança, conquistou o direito de votar.O que de fato fez, votando em si mesma para uma vaga de deputada federal. Acreditem, Mietta não foi eleita. Escritora, advogada e oradora competente, frequentava com desenvoltura o círculo de políticos, como também as rodas boêmias dos escritores mineiros, tais como Pedro Nava, Drummond, Abgar Renault e outros. Carlos Drummond de Andrade, impressionado com a conquista do voto feminino, dedicou a Mietta o poema "Mulher Eleitora"
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