Vou fazer um apelo. É o
caso de um menino desaparecido.
Ele tem 11 anos, mas
parece menos; pesa 30 quilos, mas parece menos; é brasileiro, mas parece menos.
É um menino normal, ou
seja: subnutrido, desses milhares de meninos que não pediram pra nascer; ao
contrário: nasceram pra pedir.
Calado demais pra sua
idade, sofrido demais pra sua idade, com idade demais pra sua idade. É, como a
maioria, um desses meninos de 11 anos que ainda não tiveram infância.
Parece ser menor
carente, mas, se é, não sabe disso. Nunca esteve na Febem, portanto, não teve
tempo de aprender a ser criança-problema. Anda descalço por amor à bola.
Suas roupas são de
segunda mão, seus livros são de segunda mão e tem a desconfiança de que a sua
própria história alguém já viveu antes.
Do amor não
correspondido pela professora, descobriu que viver dói. Viveu cada verso de
"Romeu e Julieta", sem nunca ter lido a história.
Foi Dom Quixote sem
precisar de Cervantes e sabe, por intuição, que o mundo pode ser um inferno ou
uma badalação, dependendo se ele é visto pelo Nelson Rodrigues ou pelo Gilberto
Braga.
De seu, tinha uma
árvore, um estilingue zero quilômetro e um pássaro preto que cantava no dedo e
dormia em seu quarto.
Tímido até a ousadia,
seus silêncios gritam nos cantos da casa e seus prantos eram goteiras no
telhado de sua alma.
Trajava, na ocasião em
que desapareceu, uns olhos pretos muito assustados e eu não digo isso pra ser
original: é que a primeira coisa que chama a atenção no menino são os grandes
olhos, desproporcionais ao tamanho do rosto.
Mas usava calças curtas
de caroá, suspensórios de elástico, camisa branca e um estranho boné que,
embora seguro pelas orelhas, teimava em tombar pro nariz.
Foi visto pela última
vez com uma pipa na mão, mas é de todo improvável que a pipa o tenha empinado.
Se bem que, sonhador de jeito que ele é, não duvido nada.
Sequestrado, não foi,
porque é um menino que nasceu sem resgate.
Como vocês veem, é um
menino comum, desses que desaparecem às dezenas todas os dias.
Mas se alguém souber de
alguma notícia, me procure, por favor, porque... ou eu encontro de novo esse
menino que um dia eu fui, ou eu não sei o que vai ser de mim.
Chico Anysio
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