Me lembro de ficar super concentrada e morder a boca
e tentar acompanhar a sequência toda sem me perder nem um minuto.
Eu lia assim, com sotaque
"go, go, go, said the bird,
human kind cannot bear
very much on reality..."
Eu procurava as chaves, a questão pendente
atravessava a luz deserta da praia de cabo a rabo, de vestido
voltava sobre os meus próprios passos, ficava na varanda
atravessava os dias como uma planta perdida no deserto
naquele sol mais quieta. “Aqui eu te conheço”.
Eu não sabia que sabia, aquela planta
a pauta se calasse... Ouvia: “se você dançar...”
Só de memória me espanto, de cabeça caio e saio, de cor, e pronto
socorram-me então nesse esforço de raízes
ouvindo a chuva nas telhas de menos dessa casa escura
com goteiras de verão e falta dágua, sem transporte
descendo a estrada de pó nas sandálias havaianas
fazendo uma bolha no calor, um lanho rubro, repetindo.
“Ana, na janela tem um recadinho”, chegando, lendo...
"Tive que correr para pegar o posto aberto" um curativo aberto, um sanduíche aberto, um fantasma romântico no peito
“se você dançar..."
Me lembro da rádio a mil dentro do carro,
e de uma saudade inata.
CESAR, Ana Cristina. Aí é que são elas. In: Inéditos e dispersos.
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