domingo, 29 de maio de 2011
O fim do mundo
No fim de um mundo melancólico
os homens lêem jornais.
Homens indiferentes a comer laranjas
que ardem como o sol.
Me deram uma maçã para lembrar
a morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo querosene. O véu que olhei voar
caiu no deserto.
O poema final ninguém escreverá
desse mundo particular de doze horas.
Em vez de juízo final a mim me preocupa
o sonho final.
João Cabral de Melo Neto
domingo, 22 de maio de 2011
Tu eras também uma pequena folha
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda
sábado, 21 de maio de 2011
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Dois estudos
I
Tu
és a antecipação
do
último filme que assistirei.
Fazes
calar os astros,
os
rádios e as multidões na praça pública.
Eu
te assisto imóvel e indiferente.
A
cada momento tu te voltas
e
lanças no meu encalço
máquinas
monstruosas que envenenam reservatórios
sobre
os quais ganhaste um domínio de morte.
Trazes
encerradas entre os dedos
reservas
formidáveis de dinamite
e
de fatos diversos.
II
Tu
não representas as 24 horas de um dia,
os
fatos diversos,
o
livro e o jornal
que
leio neste momento.
Tu
os completas e os transcendes.
Tu
és absolutamente revolucionária e criminosa,
porque
sob teu manto
e
sob os pássaros de teu chapéu
desconheço
a minha rua,
o
meu amigo e o meu cavalo de sela.
João
Cabral de Melo Neto
terça-feira, 17 de maio de 2011
Aos poetas clássicos
Julia Margaret Cameron |
Poetas niversitário,
Poetas
de Cademia,
De
rico vocabularo
Cheio
de mitologia;
Se
a gente canta o que pensa,
Eu
quero pedir licença,
Pois
mesmo sem português
Neste
livrinho apresento
O
prazê e o sofrimento
De
um poeta camponês.
Eu
nasci aqui no mato,
Vivi
sempre a trabaiá,
Neste
meu pobre recato,
Eu
não pude estudá
No
verdô de minha idade,
Só
tive a felicidade
De
dá um pequeno insaio
In
dois livro do iscritô,
O
famoso professô
Filisberto
de Carvaio.
No
premêro livro havia
Belas
figuras na capa,
E
no começo se lia:
A
pá — O dedo do Papa,
Papa,
pia, dedo, dado,
Pua,
o pote de melado,
Dá-me
o dado, a fera é má
E
tantas coisa bonita,
Qui
o meu coração parpita
Quando
eu pego a rescordá.
Foi
os livro de valô
Mais
maió que vi no mundo,
Apenas
daquele autô
Li
o premêro e o segundo;
Mas,
porém, esta leitura,
Me
tirô da treva escura,
Mostrando
o caminho certo,
Bastante
me protegeu;
Eu
juro que Jesus deu
Sarvação
a Filisberto.
Depois
que os dois livro eu li,
Fiquei
me sintindo bem,
E
ôtras coisinha aprendi
Sem
tê lição de ninguém.
Na
minha pobre linguage,
A
minha lira servage
Canto
o que minha arma sente
E
o meu coração incerra,
As
coisa de minha terra
E
a vida de minha gente.
Poeta
niversitaro,
Poeta
de cademia,
De
rico vocabularo
Cheio
de mitologia,
Tarvez
este meu livrinho
Não
vá recebê carinho,
Nem
lugio e nem istima,
Mas
garanto sê fié
E
não istruí papé
Com
poesia sem rima.
Cheio
de rima e sintindo
Quero
iscrevê meu volume,
Pra
não ficá parecido
Com
a fulô sem perfume;
A
poesia sem rima,
Bastante
me disanima
E
alegria não me dá;
Não
tem sabô a leitura,
Parece
uma noite iscura
Sem
istrela e sem luá.
Se
um dotô me perguntá
Se
o verso sem rima presta,
Calado
eu não vou ficá,
A
minha resposta é esta:
—
Sem a rima, a poesia
Perde
arguma simpatia
E
uma parte do primô;
Não
merece munta parma,
É
como o corpo sem arma
E
o coração sem amô.
Meu
caro amigo poeta,
Qui
faz poesia branca,
Não
me chame de pateta
Por
esta opinião franca.
Nasci
entre a natureza,
Sempre
adorando as beleza
Das
obra do Criadô,
Uvindo
o vento na serva
E
vendo no campo a reva
Pintadinha
de fulô.
Sou
um caboco rocêro,
Sem
letra e sem istrução;
O
meu verso tem o chêro
Da
poêra do sertão;
Vivo
nesta solidade
Bem
destante da cidade
Onde
a ciença guverna.
Tudo
meu é naturá,
Não
sou capaz de gostá
Da
poesia moderna.
Deste
jeito Deus me quis
E
assim eu me sinto bem;
Me
considero feliz
Sem
nunca invejá quem tem
Profundo
conhecimento.
Ou
ligêro como o vento
Ou
divagá como a lesma,
Tudo
sofre a mesma prova,
Vai
batê na fria cova;
Esta
vida é sempre a mesma.
Patativa
do Assaré - (Antônio Gonçalves da Silva)
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Consciência cósmica
Já não preciso de rir.
Os
dedos longos do medo
largaram
minha fronte.
E
as vagas do sofrimento me arrastaram
para
o centro do redemoinho da grande força,
que
agira flui, feroz, dentro e fora de mim...
Já
não tenho medo de escalar os cimos
onde
o ar limpo e fino pesa para fora,
e
nem de deixar escorrer a força dos meus músculos,
e
deitar-me na lama, o pensamento opiado...
Deixo
que o inevitável dance, ao meu redor,
a
dança das espadas de todos os momentos.
E
deveria rir, se me restasse o riso,
das
tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos
desastres que erraram o alvo do meu corpo...
Guimarães Rosa
domingo, 15 de maio de 2011
O duplo
Marcelo Mimzy |
Debaixo da minha
mesa
tem
sempre um cão faminto
-
que me alimenta a tristeza.
Debaixo
da minha cama
tem
sempre um fantasma vivo
-
que perturba quem me ama.
Debaixo
de minha pele
alguém
me olha esquisito
-
pensando que eu sou ele.
Debaixo
de minha escrita
há
sangue em lugar de tinta
-
e alguém calado que grita.
Affonso Romano de Sant'Anna
terça-feira, 10 de maio de 2011
Nascer de novo
Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.
Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?
Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.
A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 8 de maio de 2011
sábado, 7 de maio de 2011
Urgentemente
É urgente o amor
É urgente um barco no mar
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade, em "Até Amanhã"
É urgente um barco no mar
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade, em "Até Amanhã"
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Vigília
Como o companheiro é morto,
todos juntos morreremos
um pouco.
O valor de nossas lágrimas
sobre quem perdeu a vida,
não é nada.
Amá-lo, nesta tristeza,
é suspiro numa selva
imensa.
Por fidelidade reta
ao companheiro perdido,
que nos resta?
Deixar-nos morrer um pouco
por aquele que hoje vemos
todo morto.
Cecília Meireles
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Nada É Impossível De Mudar
Desconfiai do mais trivial ,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Bertolt Brecht
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