terça-feira, 29 de novembro de 2011

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

domingo, 27 de novembro de 2011

Procurar o quê?

O que a gente procura muito e sempre não é isto nem aquilo.
É outra coisa.
Se me perguntam que coisa é essa,
não respondo,
porque não é da conta de ninguém o que estou procurando.
Mesmo que quisesse responder, eu não podia.
Não sei o que procuro.
Deve ser por isso mesmo que procuro.
Me chamam de bobo porque vivo olhando aqui e ali, nos ninhos, nos caramujos, nas panelas, nas folhas de bananeiras, nas gretas do muro, nos espaços vazios.
Até agora não encontrei nada.
Ou encontrei coisas que não eram a coisa procurada sem saber, e desejada.
Meu irmão diz que não tenho mesmo jeito,
porque não sinto o prazer dos outros na água do açude, na comida, na manja,
e procuro inventar um prazer que ninguém sentiu ainda.
Ele tem experiência de mato e de cidade,
 sabe explorar os mundos, as horas.
Eu tropeço no possível,
e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro da casca do impossível.
 Um dia descubro.
Vai ser fácil, existente, de pegar na mão e sentir.
Não sei o que é.
Não imagino forma, cor, tamanho.
 Nesse dia vou rir de todos.
Ou não.
A coisa que me espera, não poderei mostrar a ninguém.
Há de ser invisível para todo mundo,
 menos para mim,
que de tanto procurar fiquei com merecimento de achar e direito de esconder
Carlos Drummond de Andrade, Em Boitempo

sábado, 26 de novembro de 2011

Flor de Maracujá

Lá no avarandado na luz do meio dia
O segredo nos teus olhos tanta coisa me dizia
O cabelo solto ao vento, o teu jeito de olhar
E no seu corpo moreno, a flor de maracujá
Dia de sol, cheiro de flor
Gosto de mar, amor
Na tua cor, luz do luar
Vento que vem do mar
Roda, gira vira o vento, meu amor vai te levar
Bem pra la do fim do mundo, onde eu vou te chamar
O cabelo solto ao vento
O teu jeito de olhar
E no seu corpo moreno, a flor de maracujá
Dia de sol, cheiro de flor
Gosto de mar, amor
Na tua cor, luz do luar
Vento que vem do mar
Roda, gira vira o vento, meu amor vai te levar
Bem pra la do fim do mundo, onde eu vou te chamar
Lá no avarandado...
Na luz do meio dia...

João Donato & Lysias Enio

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Andejo


Nem feliz
Nem triste
Contra mim mesmo
Pelejo.




Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. tranqüilidade e inconstância, pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio. Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer… Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca, ou não toca.

Clarice Lispector

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Eu quero amar, amar perdidamente!

Amar só por amar: aqui…além…
Mais este e aquele, o outro e toda a gente….
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

Florbela Espanca

domingo, 20 de novembro de 2011

Amar


Esse é o desejo que o corpo enfrenta,
inábil em reagir à ação da rosa
Essa vontade pertencente ao inteiro
de compor um dicionário ocupado na reinvenção de cores e cheiros
a formas circulares que movimentam a Cia dos prazeres.
O convite é humano,
existem curvas em frequências retumbantes.
O vento que faz é humano,
levanta as rotas da saia do vestido.
Mas o texto não,
o texto não cabe em explicações científicas ou poéticas.
Nem metafísicas,
já que recobre as estrelas da constelação de volans
e ainda a zona infinitesimal da faixa do audível e também do visível.
É certa a condenação.
 Passaras por termos precisos:
quem não se arrisca, não terá fôlego para gritar.
Mesmo entre antolhos, serás tocado pelo o que é da natureza das fibras.
O exílio e o sossego, seus.
Beberas na boca enquanto que seu acolchoado mundo enfrentará o dragão.
Depois do fogo talvez encontre aquele mirante.
Se fores sábio talvez construa ali uma fogueira.
Ai, então, estarás ditoso em despir a pele dos titãs
e ali preparar o buraco no qual não terás receio em dormir.
Ou não.
Talvez continue cioso da rotação do sol.
Seja como for,

as variações e os improvisos merecem a galáxia.

Quatro corvos

AQUELE MOMENTO

Quando ergueram o focinho da pistola
Fumegando azul
Como se ergue um cigarro do cinzeiro
E a única face restante no mundo
Jazia rompida
Entre mãos que relaxavam, sendo tarde demais
E as árvores se fecharam para sempre
E as ruas se fecharam para sempre
E o corpo jazia sobre o entulho
Do mundo abandonado
Junto dos utensílios abandonados
Expostos para sempre à infinitude
Corvo teve que ir atrás de algo para comer.

LINHAGEM
No princípio era o Grito
Que gerou o Sangue
Que gerou o Olho
Que gerou o Medo
Que gerou a Asa
Que gerou o Osso
Que gerou o Granito
Que gerou a Violeta
Que gerou a Guitarra
Que gerou o Suor
Que gerou Adão
Que gerou Maria
Que gerou Deus
Que gerou o Nada
Que gerou o Nunca
Nunca Nunca Nunca
Que gerou Corvo
Gritando por Sangue
Larvas, migalhas
Qualquer coisa
Implumes cotovelos tremendo
na imundície do ninho.

SANGUEZINHO
Ô sanguezinho, nas montanhas se escondendo das montanhas
Machucado por estrelas e pingando sombra
Comendo a terra medicinal.
Ô sanguezinho, desossadinho esfoladinho
Arando com a carcaça de um pintarroxo.
Ceifando o vento e debulhando as pedras.
Ô sanguezinho, batucando numa caveira de vaca
Dançando com as patas de um mosquito
Com uma tromba de elefante com uma cauda de crocodilo.
Ficou tão sabido ficou tão terrível
Sugando as tetas mofadas da morte.
Pousa no meu dedo, canta no meu ouvido, ô sanguezinho.

TESTE JUNTO AO PORTÃO DO VENTRE
De quem são esses pezinhos ossudos? Da morte.
De quem é essa cara arrepiada e chamuscada? Da morte.
De quem são esses pulmões ofegantes? Da morte.
De quem é esse macacão de músculos? Da morte.
De quem são essas vísceras indizíveis? Da morte.
De quem é essa discutível cachola? Da morte.
E todo esse sangue enxovalhado? Da morte.
E esses olhos de eficácia mínima? Da morte.
E essa linguinha maldosa? Da morte.
E essa vigília ocasional? Da morte.
Doado, roubado ou detido à espera de julgamento?
Detido.
De quem é a terra inteira chuvosa e pedregosa? Da morte.
De quem é o espaço inteiro? Da morte.
Quem é mais forte que a esperança? A morte.
Quem é mais forte que a vontade? A morte.
E mais forte que o amor? A morte.
E mais forte que a vida? A morte.
Mas quem é mais forte que a morte?
Eu, evidente.
Pode passar, Corvo.

Ted Hughes
Tradução Sérgio Alacides

quarta-feira, 16 de novembro de 2011


Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.

Clarice Lispector

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Confissão





















Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,

Pressinto que vou ter um terremoto!
Mário Quintana

domingo, 13 de novembro de 2011

O POEMA

Um poema como um gole dágua bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre
                                              na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
                                             condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.

Mario Quintana, Do livro "O Aprendiz de Feiticeiro", 

Tu Queres Sono: Despe-te dos Ruídos


Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.

 Ana Cristina Cesar

As minhas mãos

As minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.

Sophia de Mello Breyner
Em Obra Poética

Porque


Amor meu, minhas penas, meu delírio,
aonde quer que vás, irá contigo
meu corpo, mais que um corpo, irá uma alma,
sabendo embora ser perdido intento

o de cingir-se forte de tal modo
que, desde então se misturando as partes,
resultaria o mais perfeito andrógino
nunca citado em lendas e cimélios.

Amor meu, punhal meu, fera miragem
consubstanciada em vulto feminino,
por que não me libertas de teu jugo,
por que não me convertes em rochedo,

por que não me eliminas do sistema
dos humanos prostrados, miseráveis,
por que preferes doer-me como chaga
e fazer dessa chaga meu prazer?

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 12 de novembro de 2011


Um beijo. Eles se beijam. Ele toma sua boca em sua boca, ela toma sua boca em sua boca, eles se beijam. Ele abre seus lábios à sua boca, à sua língua, ela abre seus lábios aos seus lábios, à sua boca, à sua língua, ela gira sua língua em sua boca, ele gira sua língua em sua boca, ele descobre seu beijo, ela descobre a sensação de seu beijo, sua língua doce em sua boca, sua língua doce contra sua língua, ele envolve sua língua em sua língua, ele a mistura, ela gira sua língua contra sua língua, eles se beijam, ela a mistura, eles se misturam, ela cede sua boca à sua boca, ele cede sua boca à sua boca, eles se dão um beijo, ela lhe dá um beijo e sua língua, ele acaricia sua língua em sua boca, ela acaricia sua língua em sua boca, ela o deixa entrar, ele a deixa entrar, eles se amam, sua língua está em sua boca, ela mete sua língua em sua boca, seus lábios estão colados contra seus lábios, ela acaricia sua língua contra sua língua que gira em sua boca contra sua língua, acaricia sua língua contra sua língua quente e oferecida, ele mete sua língua em sua boca, e eles se amam, eles se beijam.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Umbrellas


Love love love
Umbrellas na janela
Umbrellas nos braços dela
Umbrellas amarelas.

Boi


Gosta do trampolim,
mas não para o mergulho.
Oi
     oI
oi

bem vai o BOI.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Memorial: segundo movimento

Warwick Goble

Perto da água sou mais feliz.
Os poetas me entortam.
Tendências a espirros em séries de sete.
Mais talvez, do que um sim ou um não.
Entre acordar cedo e o mau humor, cuidado, a distância é pequena.
Guarda-chuvas são obsessões ainda comportadas.
Minhas mãos são de gelo, meu coração de sopa.
Pouco talento para mentira - inversa vocação para as lágrimas.
Acho uma rima incrível rodar e amar.
ON para as amigas.
As nuvens me interessam.
Tenho um redemoinho de estimação.
Um dia vou para um canto do mato.
A carne por dentro é fiel até o osso.
Já amei errado. Pior, já paguei a conta do vizinho.
Creio que frutas são modificações do infinito.
Meio dragão meio peixe.
Despreparada para a objetividade.
Cafuné na barba como hits.
A lua me dá barato.
Minha vista anda amarrada em uma rosa branca.

Sim para os bondes, para a democracia e para a preguiça.


domingo, 6 de novembro de 2011

Canção de outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Meu vestido rosa é só um disfarce


Disfarce são também seus ventos caprichosos e desleixados.
Tipo o mar na beirada das falésias
ou os jardins caiados para enfrentar formigas.
No melhor dos dias eis canção.
Musa das criações humanas que ardem.
Se existimos, sempre é cedo para escalar a montanha.
Ainda que o topo nevado pareça mais quente que a respiração de certos homens.
Afinal, todos estamos sóis.
Trágicos destinos são inimagináveis até uma certa hora:
bater a cabeça e não morrer
morrer e não cair.
Ter suas vontades rebaixadas à sétima divisão.
Depois,
eis que é cruzada uma nova fronteira com o vento.
Eis que são reveladas possibilidades que apavoram.
Por isso, saquei seu segredo.
Mas não digo não digo não digo.
Poetas são inconfessáveis
Lá embaixo são voláteis as penúrias dos homens.
Aqui é acetomel o movimento do planeta.

Acendo um cigarro e vou rodar
Mariazinha insiste em me acompanhar com seu vestido rosa.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Perguntado acerca dos fatores que destroem os seres humanos, Mahatma Gandhi respondeu:


"A política, sem princípios;
o prazer, sem compromisso;
a riqueza, sem trabalho;
... a sabedoria, sem caráter;
os negócios, sem moral;
A ciência, sem humanidade.
A vida me ensinou que as pessoas são amigáveis, se eu sou amável,
que as pessoas são tristes, se estou triste,
que todos são ruins, se eu os odeio,
que há rostos sorridentes, se eu lhes sorrio,
que há faces amargas, se eu sou amargo,
que o mundo está feliz, se eu estou feliz,
que as pessoas ficam com raiva quando eu estou com raiva,
que as pessoas são gratas, se eu sou grato.
A vida é como um espelho: se você sorri para o espelho, ele sorri de volta. A atitude que eu tomar perante a vida é a mesma atitude que a vida vai tomar perante minha pessoa".