segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Deste mundo miudinho, criança, cura, onde a vida não se alcança e se esquece
mas que comunga e comunga e comunga.
Flor de terra, Pedra de semente, água de passarinhar.
Luz, busca dos meus olhos nublados de tanto tudo, de quase deus
Me deixa esquecer que há algo em mim
nem dor nem sorriso
Voltar a andar de pés sobre as rochas e seus atalhos
Lamber as gotas nas folhas
Ai, prometo que não choro mais
Minha palavras serão sussurros
mesmo neste peito transpassado de estranhezas, cansaços e monotonias.

sábado, 21 de novembro de 2009


Sete Janelas

Primeira: Janela da pele.
Órgão generoso do irmão corpo.
Pele de arder
Dilata quando pousas sua pele de cura na tez gelada de minhas fronteiras
Minhas pintinhas escorregam entre seus relevos ficando azuis
Bolas de gude idênticas àquelas mais almejadas pelas crianças

Segunda: Janela dos olhos,
Revela as lágrimas copiosas dos três dias
A mata dos seus olhos em meus próprios olhos
desvirando paisagens de prédios
na tela de suas íris

Terceira: Janela das mãos.
deixar quedar o afago de 100 milhões de anos que seus dedos traduzem
Dar-se em mãos no gesto de entrega

Quarta: Janela da boca,
Mais do que quente e molhada
Sagrada por ser mãe das palavras curtas e dos beijos longos.

Quinta:Janela do sexo
Carne em intenção de carne
Mineral de suas flores e chás,
Vegetal nos bichos que circulam apenas em seus jardins,
Animal dos seus cristais de esmeralda e quartzo.

Sexta: Janela do coração - Tão sereno

Sétima: Janela de cachoeira
Deixar-me plantar num grito toda esta água.
Infinitas canções de arco-íris.

Neste corpo tão grão,
Meu amor é pele, é olho, é mão, é boca, é sexo, é cachoeira
Tão aprendiz neste universo tão encantado que me rodeia e me é.
Onde está a exata essência de sua ausência?
Será na infinita inexistência do seu passo pontual rumo ao trabalho?
No silêncio dos seus abraços de carinho e proteção?
no riso... no dito...
na casa...
no vinho... no livro...
na canção...

Sim...
Na Galinha choca. Na galinha Choca. Na galinha Choca

É duríssimo e triste o nosso adeus
Este ponto parágrafo que fere nossos corações
sem esperanças de te ter novamente
sem as despedidas devidas que se merece

Adeus interditado
Sentimos esta dor.
Perdemos você, mas a noite não caiu
È este eterno céu sem luar e estrelas.
Doses diárias do gosto da morte em outro tom

Embalamos seu corpo criança a esperar apagar e calar
Embalaremos
Sorriremos

e

serenaremos
para você dormir

quarta-feira, 18 de novembro de 2009


Por outro lado, estou hoje um pouco cansada e é sobre o prazer do cansaço dolorido que vou falar. Todo prazer intenso toca no limiar da dor. Isso é bom. O sono, quando vem, é como um leve desmaio, um desmaio de amor.
Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. Morrer às vezes parece um egoísmo. Mas quem morre às vezes precisa muito.
Será que morrer é o último prazer terreno?

Clarice Lispector
Em: Aprendendo a viver

terça-feira, 17 de novembro de 2009


Não é a toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido tanto. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente á procura de um modo de andar, de um passo certo.
Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

Clarice Lispector

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Já tentei me pôr a par do mundo, e ficou apenas engraçado: uma de minhas pernas sempre curta demais. O paradoxo é que minha condição de manca é também alegre porque faz parte dessa condição. Mas se me torno séria e quero andar certo com o mundo, então me estraçalho e me espanto. A condição não se cura, mas o medo da condição é curável.

Clarice Lispector
Em a Descoberta do Mundo

domingo, 15 de novembro de 2009

Vamos ter um filho?
Vamos escolher o nome dele?
Deixa eu te alegrar quando você estiver triste?
Te ninar quando você estiver cansada?
Vamos foder o dia inteiro?
Deixa eu te fazer uma massagem com creme?
Vamos aprender a tocar piano juntos?
Vamos foder o dia inteiro?
Deixa eu ajoelhar, Glorinha, e beijar tua mão?
Vamos ser tão felizes que fiquemos calmos?
Tão calmos que fiquemos fortes?
Tão fortes que possamos ajudar todos os amigos que precisarem?
Vamos foder o dia inteiro?
Vamos aceitar tudo o que o outro é?
Defender tudo o que o outro é?
Amar tudo o que o outro é?
Vamos foder o dia inteiro?

Domingos de Oliveira

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Fazedor de homens

Todo homem é uma ilha...
É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.
Todo homem possui uma ponte
pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.
Todo homem é um mundo.
O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.
E quando o homem encara o mundo
e se depara
- homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:Todo homem ama sua ilha.

II
O homem faz o homem.
E porque fez o homem,
sem nem o homem querer
aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.
Diz ao homem: Trabalhe!
E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.
Um dia ele morre.
Se a vida foi longa para viver
- é curta para morrer -
porque o homem não fez,
não escolheu,
não pensou nada.

III
O que faz um homem diferente de outro homem
é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.
Todo homem é uma vontade.
E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.
Todo homem é seu corpo.
E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também,
a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.
Quanto mais ele precisa
mais ele é maior.
E dá.
Pede.
Reivindica.
Exige, quanto pode.
Luta e sofre.
Todo homem quer deixar sua ilha.
Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 8 de novembro de 2009

Da mesma forma que o acaso gera variabilidade
Quem sabe ao acaso a gente talvez se esbarre
e eu aprenda uma combinação diversa de querer.
Ai quiçá dance entre seus tornozelos novamente.
O jeito do seu querer, me dói.
Não posso.
O jeito do meu querer, não queres .
Então, deixemos o acaso querer por nós.
Me aperta

em três segundos

se te adivinho?

Longe é a distancia suposta do dia seguinte

Eu que já fui pepino do mar,

na terra fiz quatros cavidades

moradas

para o mundo inteiro.


Tempo de ondas gigantes.

Aliás,

drogas lentas.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Lua adversa

Tenho fases,
como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles