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terça-feira, 12 de abril de 2011

Retrato



Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazio,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles


quinta-feira, 8 de julho de 2010


Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor.
Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom?
É triste?
Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: ser, ser.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a?
Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Não quero ser. Vou crescer assim mesmo.
Sem ser. Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tortura



Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

Florbela Espanca




domingo, 4 de abril de 2010

Passagem da Noite



É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!

Carlos Drummond de Andrade
"A Rosa do Povo"

domingo, 13 de setembro de 2009

Dois cantos de despedida



Explica cupido como é a despedida de suas mãos frias e insensíveis
sobre as águas de minha pele invisível.
Como é a ausência das palavras silenciosas
companheiras e de amor.
O gesto sempre esteve em minha face
agitado entre as veredas de minhas ideias.
Visitastes minha cama mais em sonho,
meus travesseiros não roubaram suas histórias de menino.
Seus olhos continuarão opacos aos meus olhos
mesmo se miraram juntos Manoel, Carlos, Adélia, Clarice.
Ao amor me pedem coragem.
Preciso dormir, trabalhar, arrumar as gavetas.
Se dói? Não sei.
Aprendi de forma bruta a gostar de quem gosta de mim.
Hoje mansa refaço sua mala,
Te despacho para o fundo do caderninho.
Se dói? Dói pouco.
Castelinhos de areia só matam personagem de conto de fada.
O mundo é sortido.
Poesia é desdobrável.
sou... também eu


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Erê


O que faço com a outra cientista?
Ela ficou apertada entre o coração e o pulmão.
Espremer minhas frutas
e te hidratar de meus sucos, dói.
Não sou pantaneira.
Meu osso é apressado.
Desembestado meu tempo.
Você disse que é alvorada.
Não sei se posso te dar ainda meus sucos
se você não vem salgar a terra com suas mãos.
Meus poemas são feitos de matéria e ideia.
Quem espera sou eu,
na primeira noite já vi seu erê.
o meu logo quis brincar com o seu