sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Entre seus cabelos ou 0.7


Dizem que é o amor que dá luz à lua
Realça a cobertura do sol
Corrige a sintaxe do verso.

Mentira dos poetas.

O amor é a drástica inversão da razão.

Se há algum lugar onde morar,
Não me convide para um café da manhã em plutão.

Eu quero estar
É entre seus cabelos.
Me dê seus fios
Para adornar minha força.

O mundo se enfrenta no firmamento de sua cabeça.
Lá imagino a vida de um casal
Infinitamente belo
Infinitamente firme
Infinitamente apaixonados um pelo outro.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Carne



Que importa se a distância estende entre nós léguas e léguas 
Que importa se existe entre nós muitas montanhas? 
O mesmo céu nos cobre 
E a mesma terra Iiga nossos pés. 
No céu e na terra é tua carne que palpita 
Em tudo eu sinto o teu olhar se desdobrando 
Na carícia violenta do teu beijo. 
Que importa a distância e que importa a montanha 
Se tu és a extensão da carne 
Sempre presente?

Vinícius de Moraes - Rio de Janeiro , 1933

domingo, 20 de outubro de 2013

A AUSENTE

Jean Michel Basquiat &Andy  Warhol - Bananas-1984



Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...


Vinícius de Moraes - Rio de Janeiro , 1954

sábado, 19 de outubro de 2013

Filosofia da práxis


O Mestre, o Revolucionário ou o Devoto

Varre todos os dias sua casa e seu trabalho,

Mais pela prática humilde do que pelo necessário asseio.


Para o Mestre, o Revolucionário ou o Devoto

A humanidade é sua lição cotidiana

Sua bandeira de luta

Seu guia de preces.


O Mestre, o Revolucionário ou o Devoto

Está sempre ao lado de um amigo contra a ignorância do ato

A injustiça do poder

A vilania dos corações cercados de sombra.

Tem coragem de levantar sua voz, seu corpo, sua alma.

Porque no Mestre, no Revolucionário e no Devoto

Sua mão é como sua palavra.

Sem Budismo

Mathiole

Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero. Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Paulo Leminski

domingo, 6 de outubro de 2013

Não te rendas


 
Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos
Soltar o lastro,
Retomar o voo.

Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda,
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma.
Ainda existe vida nos teus sonhos.

Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o tens querido e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,

Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.

Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinho, porque eu te amo

O Sol ou 0.6


Eu encontrei o amor.

Repeti para cada passarinho que sobrevoava minha cabeça

Já que nas asas dos passarinhos os deuses podiam escutar mais legível, todos os meus agradecimentos.

(um mês)


Prossegui tonta e dopada,

já certa do tamanho do tesouro enviado pelas montanhas,

incapaz de desviar da presença das árvores, repeti:

Eu encontrei o amor

Porque na língua das árvores minha alegria corria segura entre o céu e a terra

(dois meses)


Você já firme no meu coração

Ressaltou a beleza da humanidade

Os pesos de outrora, em forma de grão

As dores do ser, em líquido suave

A solidão da existência - mais milagre, menos encargo.

Então, repeti para todos os amigos

Eu encontrei o amor

Pois a amizade fica mais bela quando em tom de amor

(três meses)


No quarto mês

Repeti para a ciência

Encontrei o amor

e juntos estacamos em suas metódicas imprecisões

a decadência fisiológica da paixão.


No quinto mês sua vitalidade

Já presa em minha pele

Escorreu inventiva para nossa casa.

Não basta o corpo, não basta a alma, também a casa como um templo.

Repeti para coisas que tomam formas de panelas, móveis, espelhos, lençóis

- porções terrenas do amor que não são o amor

mas o dão apoio -

Encontrei o amor.

As engraçadinhas riram de mim e agradeceram.


É, então, o sexto mês.

Repito todos os dias nos seus ouvidos:

Você, meu amor,

Era o sol que me faltava.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A luta


Apesar da dor,
do cansaço,
das lágrimas,
De nosso sangue que corre,
Não nos sintamos tristes.
Nossa luta trás para os olhos dos cegos
E para a perversidade dos sujos
Nosso grito:
Somos!
Existimos!
Não nos conformamos!
Iremos construir um outro mundo!

Apesar do medo,
Da raiva,
Da decepção.
Não no sintamos sós.
Nossa luta chama para a responsabilidade de todos
Ora o invisível do campo
Da favela
Dos trabalhadores.

Apesar do bruto,
Da tortura
Da morte,
Não nos sintamos desamparados.

Nossa luta acende a esperança do mundo.