segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Desidratar o ciúme ou 0.8


 
Cathy Daley

O método é simples.
Recorra à declaração mundial da existência do ser
Seja feliz. Não haverá espaço para a dúvida.
Seja livre. Saberá a importância do outro ser também.
Seja companheiro. Terá como prêmio abraços, sorrisos, calda de chocolate e cafuné na cabeça.
Seja honesto.  Seus monstrinhos serão adestrados.
Quem sabe um dia sejam tão fofos para alguém quanto seu bichinho de estimação.
Seja carinhoso. O calor sossega tempestades.
Seja compreensível. Seu barco é só um barco no mar.
Seja fiel. O amor tem ultra poderes.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A fábrica do poema



lee.misook
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
sob que máscara retornará?
sob que máscara?



Waly Salomão


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Priez pour elle






Venha morte
acender as velas na intenção de bem iluminar sua volta às estrelas.
Sorria para ela.
Chegou a hora de segurar sua mão.
Agradecimentos já foram feitos:
Bala de Mel,
Miçanga,
Roupas de boneca.
Todos estendidos da memória da infância.
É hora do voo.
É hora da anciã se enfiar no infinito.
Não se preocupem.
Esse é o bom adeus.
Priez pour elle.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Tome esse verso, Patti Lee!



Vendi meu verso por um bife de fígado.
Talvez me livrasse do tédio
ou da anemia
ou do suicídio.
 
Lembre-se, somos apenas mortais.
Era a placa sob o mundo cheio de cacarecos que me cercava.
Só os brindes do medicine man e um algumas de suas histórias
eram capazes de aquecer minhas mãos.
Nessas ocasiões, se tivesse sorte,
conseguia escrever.

Certa noite, mais uma dessas sem uma grama de sossego na cabeça,
Bordei no verso da calça:
Você não toca guitarra, funcionária.
Ele havia sonhado que cruzávamos com um homem de turbante e uma cabra,
enquanto descíamos a Monte Alegre.
Era evidente para mim.
Tratava-se de um sacrifício.
Eu arranjaria dinheiro,
Já que era bem mais fácil do que sair da caixinha de música.

Na parte interna do tempo,
posso firmar alguma intimidade.
Mas com os objetos, sou o fracasso do parquinho.
Acho o trabalho penoso
aquele de ser real.
Por isso, voltei para casa. Medicine man estava lá.
Aproveitei e perguntei. (Na verdade o que eu queria era um close).
Por que percorrer a estrada inteira?
Como você sabe que eu não morri?
Nós não temos a verdade para a aliança.
Eles são totalmente exigentes.
Ele podia falar essas coisas com propriedade e não parecer um pastor.

Um cofre, um cofre, um cofre... insisti.
Acho que é isso que eu sou.
Fui eu que trai.
É preciso acreditar na causa.
Só que eu não consigo me apegar o bastante.
O vestido arrastado pela estrada é dela...
Da poeta.
Levará muito tempo ainda para eu por em prática minha pele azul.







terça-feira, 12 de novembro de 2013




Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e disfrutaria de um bom gelado de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente, jorgar-me-ia de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem de que são os meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens, provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar.
A uma criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a rampa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão servir muito, porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.

Gabriel García Marquéz