sexta-feira, 30 de março de 2012
terça-feira, 27 de março de 2012
A mulher-esqueleto
Ela havia feito alguma coisa que seu pai não aprovava, embora ninguém mais
Ela havia feito alguma coisa que seu pai não aprovava, embora ninguém mais
se lembrasse do que havia sido. Seu pai, no entanto, a havia arrastado até os
penhascos, atirando-a ao mar. Lá, os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus
olhos. Enquanto jazia no fundo do mar, seu esqueleto rolou muitas vezes com as
correntes.
Um dia um pescador veio pescar. Bem, na verdade, em outros tempos muitos
costumavam vir a essa baía pescar. Esse pescador, porém, estava afastado da sua
colônia e não sabia que os pescadores da região não trabalhavam ali sob a alegação de
que a enseada era mal-assombrada.
O anzol do pescador foi descendo pela água abaixo e se prendeu — logo em
quê! — nos ossos das costelas da Mulher-esqueleto. O pescador pensou: "Oba, agora
peguei um grande de verdade! Agora peguei um mesmo!" Na sua imaginação, ele já
via quantas pessoas esse peixe enorme iria alimentar, quanto tempo sua carne
duraria, quanto tempo ele se veria livre da obrigação de pescar. E enquanto ele lutava
com esse enorme peso na ponta do anzol, o mar se encapelou com uma espuma
agitada, e o caiaque empinava e sacudia porque aquela que estava lá embaixo lutava
para se soltar. E quanto mais ela lutava, tanto mais ela se enredava na linha. Não
importa o que fizesse, ela estava sendo inexoravelmente arrastada para a superfície,
puxada pelos ossos das próprias costelas.
O pescador havia se voltado para recolher a rede e, por isso, não viu a cabeça
calva surgir acima das ondas; não viu os pequenos corais que brilhavam nas órbitas
do crânio; não viu os crustáceos nos velhos dentes de marfim. Quando ele se voltou
com a rede nas mãos, o esqueleto inteiro, no estado em que estava, já havia chegado à
superfície e caía suspenso da extremidade do caiaque pelos dentes incisivos.
— Agh! — gritou o homem, e seu coração afundou até os joelhos, seus olhos se
esconderam apavorados no fundo da cabeça e suas orelhas arderam num vermelho
forte. — Agh! — berrou ele, soltando-a da proa com o remo e começando a remar
loucamente na direção da terra. Sem perceber que ela estava emaranhada na sua
linha, ele ficou ainda mais assustado pois ela parecia estar em pé, a persegui-lo o
tempo todo até a praia. Não importava de que jeito ele desviasse o caiaque, ela
continuava ali atrás. Sua respiração formava nuvens de vapor sobre a água, e seus
braços se agitavam como se quisessem agarrá-lo para levá-lo para as profundezas.
— Aaagggggghhhh! — uivava ele, quando o caiaque encalhou na praia. De um
penhascos, atirando-a ao mar. Lá, os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus
olhos. Enquanto jazia no fundo do mar, seu esqueleto rolou muitas vezes com as
correntes.
Um dia um pescador veio pescar. Bem, na verdade, em outros tempos muitos
costumavam vir a essa baía pescar. Esse pescador, porém, estava afastado da sua
colônia e não sabia que os pescadores da região não trabalhavam ali sob a alegação de
que a enseada era mal-assombrada.
O anzol do pescador foi descendo pela água abaixo e se prendeu — logo em
quê! — nos ossos das costelas da Mulher-esqueleto. O pescador pensou: "Oba, agora
peguei um grande de verdade! Agora peguei um mesmo!" Na sua imaginação, ele já
via quantas pessoas esse peixe enorme iria alimentar, quanto tempo sua carne
duraria, quanto tempo ele se veria livre da obrigação de pescar. E enquanto ele lutava
com esse enorme peso na ponta do anzol, o mar se encapelou com uma espuma
agitada, e o caiaque empinava e sacudia porque aquela que estava lá embaixo lutava
para se soltar. E quanto mais ela lutava, tanto mais ela se enredava na linha. Não
importa o que fizesse, ela estava sendo inexoravelmente arrastada para a superfície,
puxada pelos ossos das próprias costelas.
O pescador havia se voltado para recolher a rede e, por isso, não viu a cabeça
calva surgir acima das ondas; não viu os pequenos corais que brilhavam nas órbitas
do crânio; não viu os crustáceos nos velhos dentes de marfim. Quando ele se voltou
com a rede nas mãos, o esqueleto inteiro, no estado em que estava, já havia chegado à
superfície e caía suspenso da extremidade do caiaque pelos dentes incisivos.
— Agh! — gritou o homem, e seu coração afundou até os joelhos, seus olhos se
esconderam apavorados no fundo da cabeça e suas orelhas arderam num vermelho
forte. — Agh! — berrou ele, soltando-a da proa com o remo e começando a remar
loucamente na direção da terra. Sem perceber que ela estava emaranhada na sua
linha, ele ficou ainda mais assustado pois ela parecia estar em pé, a persegui-lo o
tempo todo até a praia. Não importava de que jeito ele desviasse o caiaque, ela
continuava ali atrás. Sua respiração formava nuvens de vapor sobre a água, e seus
braços se agitavam como se quisessem agarrá-lo para levá-lo para as profundezas.
— Aaagggggghhhh! — uivava ele, quando o caiaque encalhou na praia. De um
salto ele estava fora da embarcação e saía correndo agarrado à vara de pescar. E o
cadáver branco da Mulher-esqueleto, ainda preso à linha de pescar, vinha aos
solavancos bem atrás dele. Ele correu pelas pedras, e ela o acompanhou. Ele
atravessou a tundra gelada, e ela não se distanciou. Ele passou por cima da carne que
havia deixado a secar, rachando-a em pedaços com as passadas dos seus
cadáver branco da Mulher-esqueleto, ainda preso à linha de pescar, vinha aos
solavancos bem atrás dele. Ele correu pelas pedras, e ela o acompanhou. Ele
atravessou a tundra gelada, e ela não se distanciou. Ele passou por cima da carne que
havia deixado a secar, rachando-a em pedaços com as passadas dos seus
mukluks.
O tempo todo ela continuou atrás dele, na verdade até pegou um pedaço do
peixe congelado enquanto era arrastada. E logo começou a comer, porque há muito,
muito tempo não se saciava. Finalmente, o homem chegou ao seu iglu, enfiou-se
direto no túnel e, de quatro, engatinhou de qualquer jeito para dentro. Ofegante e
soluçante, ele ficou ali deitado no escuro, com o coração parecendo um tambor, um
tambor enorme. Afinal, estava seguro, ah, tão seguro, é, seguro, graças aos deuses,
Raven, é, graças a Raven, é, e também à todo-generosa Sedna, em segurança, afinal.
Imaginem quando ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia, ali estava ela
— aquilo — jogada num monte no chão de neve, com um calcanhar sobre um ombro,
um joelho preso nas costelas, um pé por cima do cotovelo. Mais tarde ele não saberia
dizer o que realmente aconteceu. Talvez a luz tivesse suavizado suas feições; talvez
fosse o fato de ele ser um homem solitário. Mas sua respiração ganhou um quê de
delicadeza, bem devagar ele estendeu as mãos encardidas e, falando baixinho como a
mãe fala com o filho, começou a soltá-la da linha de pescar.
— Oh, na, na, na. — Ele primeiro soltou os dedos dos pés, depois os tornozelos.
— Oh, na, na, na. — Trabalhou sem parar noite adentro, até cobri-la de peles para
aquecê-la, já que os ossos da Mulher-esqueleto eram iguaizinhos aos de um ser
humano.
Ele procurou sua pederneira na bainha de couro e usou um pouco do próprio
cabelo para acender mais um foguinho. Ficou olhando para ela de vez em quando
enquanto passava óleo na preciosa madeira da sua vara de pescar e enrolava
novamente sua linha de seda. E ela, no meio das peles, não pronunciava palavra —
não tinha coragem — para que o caçador não a levasse lá para fora e a jogasse lá
embaixo nas pedras, quebrando totalmente seus ossos.
O homem começou a sentir sono, enfiou-se nas peles de dormir e logo estava
sonhando. Às vezes, quando os seres humanos dormem, acontece de uma lágrima
escapar do olho de quem sonha. Nunca sabemos que tipo de sonho provoca isso, mas
sabemos que ou é um sonho de tristeza ou de anseio. E foi isso o que aconteceu com o
homem.
A Mulher-esqueleto viu o brilho da lágrima à luz do fogo, e de repente ela
sentiu uma sede daquelas. Ela se aproximou do homem que dormia, rangendo e
retinindo, e pôs a boca junto à lágrima. Aquela única lágrima foi como um rio, que ela
bebeu, bebeu e bebeu até saciar sua sede de tantos anos.
Enquanto estava deitada ao seu lado, ela estendeu a mão para dentro do
homem que dormia e retirou seu coração, aquele tambor forte. Sentou-se e começou
a batucar dos dois lados do coração:
muito tempo não se saciava. Finalmente, o homem chegou ao seu iglu, enfiou-se
direto no túnel e, de quatro, engatinhou de qualquer jeito para dentro. Ofegante e
soluçante, ele ficou ali deitado no escuro, com o coração parecendo um tambor, um
tambor enorme. Afinal, estava seguro, ah, tão seguro, é, seguro, graças aos deuses,
Raven, é, graças a Raven, é, e também à todo-generosa Sedna, em segurança, afinal.
Imaginem quando ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia, ali estava ela
— aquilo — jogada num monte no chão de neve, com um calcanhar sobre um ombro,
um joelho preso nas costelas, um pé por cima do cotovelo. Mais tarde ele não saberia
dizer o que realmente aconteceu. Talvez a luz tivesse suavizado suas feições; talvez
fosse o fato de ele ser um homem solitário. Mas sua respiração ganhou um quê de
delicadeza, bem devagar ele estendeu as mãos encardidas e, falando baixinho como a
mãe fala com o filho, começou a soltá-la da linha de pescar.
— Oh, na, na, na. — Ele primeiro soltou os dedos dos pés, depois os tornozelos.
— Oh, na, na, na. — Trabalhou sem parar noite adentro, até cobri-la de peles para
aquecê-la, já que os ossos da Mulher-esqueleto eram iguaizinhos aos de um ser
humano.
Ele procurou sua pederneira na bainha de couro e usou um pouco do próprio
cabelo para acender mais um foguinho. Ficou olhando para ela de vez em quando
enquanto passava óleo na preciosa madeira da sua vara de pescar e enrolava
novamente sua linha de seda. E ela, no meio das peles, não pronunciava palavra —
não tinha coragem — para que o caçador não a levasse lá para fora e a jogasse lá
embaixo nas pedras, quebrando totalmente seus ossos.
O homem começou a sentir sono, enfiou-se nas peles de dormir e logo estava
sonhando. Às vezes, quando os seres humanos dormem, acontece de uma lágrima
escapar do olho de quem sonha. Nunca sabemos que tipo de sonho provoca isso, mas
sabemos que ou é um sonho de tristeza ou de anseio. E foi isso o que aconteceu com o
homem.
A Mulher-esqueleto viu o brilho da lágrima à luz do fogo, e de repente ela
sentiu uma sede daquelas. Ela se aproximou do homem que dormia, rangendo e
retinindo, e pôs a boca junto à lágrima. Aquela única lágrima foi como um rio, que ela
bebeu, bebeu e bebeu até saciar sua sede de tantos anos.
Enquanto estava deitada ao seu lado, ela estendeu a mão para dentro do
homem que dormia e retirou seu coração, aquele tambor forte. Sentou-se e começou
a batucar dos dois lados do coração:
Bom, Bomm!... Bom, Bomm!
Enquanto marcava o ritmo, ela começou a cantar em voz alta.
— Carne, carne, carne! Carne, carne, carne! — E quanto mais cantava, mais seu
corpo se revestia de carne. Ela cantou para ter cabelo, olhos saudáveis e mãos boas e
gordas. Ela cantou para ter a divisão entre as pernas e seios compridos o suficiente
para se enrolarem e dar calor, e todas as coisas de que as mulheres precisam.
Quando estava pronta, ela também cantou para despir o homem que dormia e
se enfiou na cama com ele, a pele de um tocando a do outro. Ela devolveu o grande
tambor, o coração, ao corpo dele, e foi assim que acordaram, abraçados um ao outro,
enredados da noite juntos, agora de outro jeito, de um jeito bom e duradouro.
corpo se revestia de carne. Ela cantou para ter cabelo, olhos saudáveis e mãos boas e
gordas. Ela cantou para ter a divisão entre as pernas e seios compridos o suficiente
para se enrolarem e dar calor, e todas as coisas de que as mulheres precisam.
Quando estava pronta, ela também cantou para despir o homem que dormia e
se enfiou na cama com ele, a pele de um tocando a do outro. Ela devolveu o grande
tambor, o coração, ao corpo dele, e foi assim que acordaram, abraçados um ao outro,
enredados da noite juntos, agora de outro jeito, de um jeito bom e duradouro.
As pessoas que não conseguem se lembrar de como aconteceu sua primeira
desgraça dizem que ela e o pescador foram embora e sempre foram bem alimentados
pelas criaturas que ela conheceu na sua vida debaixo d'água. As pessoas garantem
que é verdade e que é só isso o que sabem.
Clarissa Pinkola Estes, Em Mulheres que correm com os lobos
pelas criaturas que ela conheceu na sua vida debaixo d'água. As pessoas garantem
que é verdade e que é só isso o que sabem.
Clarissa Pinkola Estes, Em Mulheres que correm com os lobos
segunda-feira, 26 de março de 2012
Amar você é coisa de minutos
Catrin Arno |
Amar você é coisa de
minutos
A morte é menos que teu
beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou
ruim
Serei o que achares
conveniente
Serei para ti mais que
um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu
irmão
Direi os versos que
quiseres
Esquecerei todas as
mulheres
Serei tanto e tudo e
todos
Vais ter nojo de eu ser
isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas
veias
O rio vermelho que se
inflama
Ao ver teu rosto feito
tocha
Serei teu rei teu pão
tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui
Paulo Leminski
Desencontrários
Ilse Bing |
Mandei a palavra rimar,
ela
não me obedeceu.
Falou
em mar, em céu, em rosa,
em
grego, em silêncio, em prosa.
Parecia
fora de si,
a
sílaba silenciosa.
Mandei
a frase sonhar,
e
ela se foi num labirinto.
Fazer
poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar
ordens a um exército,
para
conquistar um império extinto.
Nunca
sei ao certo
se
sou um menino de dúvidas
ou
um homem de fé
certezas
o vento leva
só
dúvidas ficam de pé.
Paulo Leminski
Disfarça, tem gente
olhando.
Uns
olham pro alto,
cometas,
luas, galáxias.
Outros,
olham de banda,
lunetas,
luares, sintaxes.
...De
frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.
Paulo Leminski
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.
Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.
Paulo Leminski
domingo, 25 de março de 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
Jabuticabinhas
Quando chego em casa me ajoelho
Fico ali na altura do beijo
Meninos coloridos
Beijos coloridos
Olhos coloridos
Como jabuticabinhas
Todas com a mesma cor
Mas cada uma com uma alegria
Reflexos de almas que eu amo
Me chamam de pai
E eu, ai, me jogo neles
Me fazem lembrar de tudo que há de bom
Me libertam
Me completam
Se empoleiram em mim
E caímos todos
Felizes
Morrendo de rir
E depois pro violão
É tarde: só mais uma canção...
Julião
Quando chego em casa me ajoelho
Fico ali na altura do beijo
Meninos coloridos
Beijos coloridos
Olhos coloridos
Como jabuticabinhas
Todas com a mesma cor
Fico ali na altura do beijo
Meninos coloridos
Beijos coloridos
Olhos coloridos
Como jabuticabinhas
Todas com a mesma cor
Mas cada uma com uma alegria
Reflexos de almas que eu amo
Me chamam de pai
E eu, ai, me jogo neles
Me fazem lembrar de tudo que há de bom
Me libertam
Me completam
Se empoleiram em mim
E caímos todos
Felizes
Morrendo de rir
E depois pro violão
É tarde: só mais uma canção...
Reflexos de almas que eu amo
Me chamam de pai
E eu, ai, me jogo neles
Me fazem lembrar de tudo que há de bom
Me libertam
Me completam
Se empoleiram em mim
E caímos todos
Felizes
Morrendo de rir
E depois pro violão
É tarde: só mais uma canção...
Julião
segunda-feira, 19 de março de 2012
Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto
domingo, 18 de março de 2012
Fracasso do parquinho
Meu coração fez o
caminho inverso:
não
tocou o encantamento quando menino:
brincava
de nuvem.
Nada
era suficientemente azul
Nem
etílico e nem metálico
que
fosse servido na festa.
Antropofágico
de si não fez pontes,
ao invés,
esculpiu
segredos.
Remoto,
enfrenta uma janela emperrada.
Também
esta fruta, por exemplo, que permanece no ramo.
Avisa
aos eremitas que não adianta descer a barra do vestido.
Pelo
contrário, é preciso,
com
preguiça e com pressa,
dedicar-se
ao império extinto
(ao
menos nas primeiras horas do dia.
a noite também é propício,
mas desde que se
esteja acordado).
sábado, 17 de março de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
Sempre (Uma triangulação quintanesa)
Sou o dono dos tesouros perdidos no fundo do mar.
Só o que está perdido é nosso para sempre.
Nós só amamos os amigos mortos
E só as amadas mortas amam eternamente…
Mario Quintana
Torre Azul
É preciso construir uma torre
- uma torre azul para os suicidas.
Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores,
qualquer coisa de anjo que perdeu as asas.
É preciso construir-lhes um túnel
- um túnel sem fim e sem saída
e onde um trem viajasse eternamente
como uma nave em alto-mar perdida.
É preciso construir uma torre…
É preciso construir um túnel…
É preciso morrer de puro,
puro amor!…
Mario Quintana
- uma torre azul para os suicidas.
Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores,
qualquer coisa de anjo que perdeu as asas.
É preciso construir-lhes um túnel
- um túnel sem fim e sem saída
e onde um trem viajasse eternamente
como uma nave em alto-mar perdida.
É preciso construir uma torre…
É preciso construir um túnel…
É preciso morrer de puro,
puro amor!…
Mario Quintana
Os Arroios
Os arroios são rios guris…
Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d’água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,
às belas morenas,
curiosos das pernas das belas morenas.
E às vezes vão tão devagar
que conhecem o cheiro e a cor das flores
que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam
e onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção
como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão
de um Anjo…
Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.
Os rios tresandam óleo e alcatrão
e refletem, em vez de estrelas,
os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,
os inocentes arroios…
Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d’água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,
às belas morenas,
curiosos das pernas das belas morenas.
E às vezes vão tão devagar
que conhecem o cheiro e a cor das flores
que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam
e onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção
como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão
de um Anjo…
Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.
Os rios tresandam óleo e alcatrão
e refletem, em vez de estrelas,
os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,
os inocentes arroios…
terça-feira, 13 de março de 2012
Tentativa
Manhã básica, alcalina,
Michelle Teague |
Manhã básica, alcalina,
neutralizando a gota ácida do sol.
O tornassol do céu, no fundo
do grande tubo de ensaio,
vai se espessando, cada vez mais azul.
Dos poços da marna alagada,
cheios, como frascos chatos sem gargalos,
sobem vapores alvacentos.
A pressão calca cinco atmosferas,
e o calor cresce,
nas alavancas de pirômetros negros,
dilatando as sombras.
Rápida,
uma revoada triangular de periquitos
estraleja e crepita,
flambada em alça enorme de platina,
como o fio de chama, fugidio e verde,
de um sal de boro...
Quanto esforço da manhã,
para riscar tão alto,
um corisco de esperança...
João Guimarães Rosa
segunda-feira, 12 de março de 2012
A vida sempre foi boa comigo
A vida sempre foi boa comigo!
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimenta de luz,
abriu uma janela no meu peito,
para que por ela, possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas,
e o invisível arco-íris do amor.
Thiago de Mello
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimenta de luz,
abriu uma janela no meu peito,
para que por ela, possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas,
e o invisível arco-íris do amor.
Thiago de Mello
quarta-feira, 7 de março de 2012
Amor - Vida
Vivi entre os homens
Que não me viram, não me ouviram
Nem me consolaram.
Eu fui o poeta que distribui seus dons
E que não recebe coisa alguma.
Fui envolvido na tempestade do amor,
Tive que amar até antes do meu nascimento.
Amor, palavra que funda e consome os seres.
Fogo, fogo do inferno: melhor que o céu.
Murilo Mendes
terça-feira, 6 de março de 2012
Off price
Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado
e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado
Ferreira Gullar
quinta-feira, 1 de março de 2012
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