O tempo seca a beleza.
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.
Cecília Meireles
quinta-feira, 29 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer
entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter
fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não
entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um
simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma
benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse
manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos
entender que não entendo.
Clarice Lispector
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Tempero do corpo
Território de memórias consumidas
aviam-se, na boca, dilúvios de saliva
é a língua, as amígdalas, os sisos e incisivos.
Cansadas batalhas do zigomático menor
Meu tímpano vibra ausente sua vontade.
Outrora,
quando já era tarde.... suavam graves seus beijos distorcidos
Agora,
que o amanhã é a hora... agudas são as presentes assombrações
Seu desejo não navega minhas ilíacas
Do distendido ventre exala a carícia do último caju.
Eis o convite dos derrotados em minhas meninges.
O amor não pega em suas tripas,
Calaram-se as ondas gigantes do miocárdio
vou beber no lamento do samba.
aviam-se, na boca, dilúvios de saliva
é a língua, as amígdalas, os sisos e incisivos.
Cansadas batalhas do zigomático menor
Meu tímpano vibra ausente sua vontade.
Outrora,
quando já era tarde.... suavam graves seus beijos distorcidos
Agora,
que o amanhã é a hora... agudas são as presentes assombrações
Seu desejo não navega minhas ilíacas
Do distendido ventre exala a carícia do último caju.
Eis o convite dos derrotados em minhas meninges.
O amor não pega em suas tripas,
Calaram-se as ondas gigantes do miocárdio
vou beber no lamento do samba.
Se faltam ainda noventa minutos para o fim do epitélio
Aprendes que coragem
não é
não ter medo no estômago
é justamente lançar-se
no mais que se teme
Ser assim,
realmente onça.
Ter na espinha sal, açúcar, pimenta
domingo, 25 de abril de 2010
...E ter tempo para ir se lembrando devagarinho das melhores horas, consumindo. Avante e volta, gostava de galopar no campo, o galope, o galope.
Assim, queria já ter vivido muito mais, senhor aproveitado de muitos rebatidos anos, para poder ter maior assunto em que se reconhecer e entender. A um modo, quando descobria, de repente, alguma coisa nova importante, às vezes ele prezava, no fundo de sua ideia, que estava só se recordando daquilo, já sabido há muito tempo, muito tempo sem lugar nem data, e mesmo mais completo do que agora estivesse aprendendo.
João Guimarães Rosa - A Estória de Lélio e Lina
Assim, queria já ter vivido muito mais, senhor aproveitado de muitos rebatidos anos, para poder ter maior assunto em que se reconhecer e entender. A um modo, quando descobria, de repente, alguma coisa nova importante, às vezes ele prezava, no fundo de sua ideia, que estava só se recordando daquilo, já sabido há muito tempo, muito tempo sem lugar nem data, e mesmo mais completo do que agora estivesse aprendendo.
João Guimarães Rosa - A Estória de Lélio e Lina
sexta-feira, 23 de abril de 2010
quinta-feira, 22 de abril de 2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
Vinícius de Moraes
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
Vinícius de Moraes
sábado, 17 de abril de 2010
Palavra
Lavrada da brenha dos poetas
Adentro abismos temperados,
É a estação do silêncio.
Penso em verso porque a palavra assim roubada
humaniza tudo que é espada
A hora do assombro assenta-se
em seus contornos de grafia.
transvejo acolhimentos
suavizo tempestades.
Anuncio o diamante do mundo:
eros semeado.
Entre vinte e seis estrelas combinadas
toda a existência.
Suas frases, meu erguer de asas
Adentro abismos temperados,
É a estação do silêncio.
Penso em verso porque a palavra assim roubada
humaniza tudo que é espada
A hora do assombro assenta-se
em seus contornos de grafia.
transvejo acolhimentos
suavizo tempestades.
Anuncio o diamante do mundo:
eros semeado.
Entre vinte e seis estrelas combinadas
toda a existência.
Suas frases, meu erguer de asas
quinta-feira, 15 de abril de 2010
A alma encantadora das ruas
Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.
(…)
A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. A rua criou todas as blagues todos os lugares-comuns.
(…)
Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. É fatigante o exercício?
Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem.
(…)
É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico.
(…)
O flâneur é ingênuo quase sempre.
(…)
O balão que sobe ao meio-dia no Castelo, sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para alegrá-lo; se num beco perdido há uma serenata com violões chorosos, a serenata e os violões estão ali para diverti-lo. E de tanto ver que os outros quase não podem entrever, o flâneur reflete. As observações foram guardadas na placa sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no cortical. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia, a alma das ruas. E é então que haveis de pasmar da futilidade do mundo e da inconcebível futilidade dos pedestres da poesia de observação...
Eu fui um pouco esse tipo complexo, e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo e imóvel.
(…)
Qual de vós já passou a noite em claro ouvindo o segredo de cada rua? Qual de vós já sentiu o mistério, o sono, o vício, as idéias de cada bairro?
(…)
A alma da rua só é inteiramente sensível a horas tardias.
(…)
Talvez que extinto o mundo, apagados todos os astros, feito o universo treva, talvez ela ainda exista, e os seus soluços sinistramente ecoem na total ruína, rua das lágrimas, rua do desespero – interminável rua da Amargura.”
João do Rio
(…)
A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. A rua criou todas as blagues todos os lugares-comuns.
(…)
Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. É fatigante o exercício?
Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem.
(…)
É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico.
(…)
O flâneur é ingênuo quase sempre.
(…)
O balão que sobe ao meio-dia no Castelo, sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para alegrá-lo; se num beco perdido há uma serenata com violões chorosos, a serenata e os violões estão ali para diverti-lo. E de tanto ver que os outros quase não podem entrever, o flâneur reflete. As observações foram guardadas na placa sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no cortical. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia, a alma das ruas. E é então que haveis de pasmar da futilidade do mundo e da inconcebível futilidade dos pedestres da poesia de observação...
Eu fui um pouco esse tipo complexo, e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo e imóvel.
(…)
Qual de vós já passou a noite em claro ouvindo o segredo de cada rua? Qual de vós já sentiu o mistério, o sono, o vício, as idéias de cada bairro?
(…)
A alma da rua só é inteiramente sensível a horas tardias.
(…)
Talvez que extinto o mundo, apagados todos os astros, feito o universo treva, talvez ela ainda exista, e os seus soluços sinistramente ecoem na total ruína, rua das lágrimas, rua do desespero – interminável rua da Amargura.”
João do Rio
Menino do mato
pássaros fazem.
Eu queria fazer parte do orvalho como as
pedras fazem.
Eu só não queria significar.
Porque significar limita a imaginação.
E com pouca imaginação eu não poderia
fazer parte de uma árvore.
Como os pássaros fazem.
Então a razão me falou: o homem não
pode fazer parte do orvalho como as pedras
fazem.
Porque o homem não se transfigura senão
pelas palavras.
E isso era mesmo.
Manoel de Barros
terça-feira, 13 de abril de 2010
Liberdade
Ai
que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…
Fernando Pessoa
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…
Fernando Pessoa
Certas Palavras
Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, atos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos.
Carlos Drummond de Andrade
Olha, descobre este segredo:
uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem.
Repara mais ainda.
Uma coisa são inúmeras coisas.
Sua imagem contém infinidade de imagens em estado de sonho,
germinando no espaço e na luz.
E as criaturas são também assim,
múltiplas de si mesmas.
A variedade de imagens revela o mundo que
nasce a cada instante em que o contemplas:
formas, ritmos, ângulos, expressões,
impressões, fragmentos, síntese.
Carlos Drummond de Andrade
uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem.
Repara mais ainda.
Uma coisa são inúmeras coisas.
Sua imagem contém infinidade de imagens em estado de sonho,
germinando no espaço e na luz.
E as criaturas são também assim,
múltiplas de si mesmas.
A variedade de imagens revela o mundo que
nasce a cada instante em que o contemplas:
formas, ritmos, ângulos, expressões,
impressões, fragmentos, síntese.
Carlos Drummond de Andrade
segunda-feira, 12 de abril de 2010
O lamento das coisas
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada
— O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
Augusto dos Anjos
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada
— O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
Augusto dos Anjos
Tortura
Tirar dentro do peito a
Emoção,
A
lúcida Verdade, o Sentimento!
E
ser, depois de vir do coração,
Um
punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar
um verso de alto pensamento,
E
puro como um ritmo de oração!
E
ser, depois de vir do coração,
O
pó, o nada, o sonho dum momento...
São
assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas
perdidas, vendavais dispersos,
Com
que eu iludo os outros, com que minto!
Quem
me dera encontrar o verso puro,
O
verso altivo e forte, estranho e duro,
Que
dissesse, a chorar, isto que sinto!!
Florbela
Espanca
sábado, 10 de abril de 2010
Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
terça-feira, 6 de abril de 2010
O fundo da humanidade suspende sobre as coxas de uma mulher
e os olhos de um homem
a necessidade absoluta do amor.
Guardado em plexos torácicos,
é o mesmo para todos, desde os tempos dos tempos.
Um toque interósseo de misterioso encontro.
Caso não houvesse...
a mesma ladeira,
beijos silenciosos estalados
passos em direção...
os braços não dobrariam a cintura do imponderável.
Que delicada existência que transgride,
cevar-se em tempo certo.
Nunca é noite suficiente para dormir
Quando viver chove grande em nós.
e os olhos de um homem
a necessidade absoluta do amor.
Guardado em plexos torácicos,
é o mesmo para todos, desde os tempos dos tempos.
Um toque interósseo de misterioso encontro.
Caso não houvesse...
a mesma ladeira,
beijos silenciosos estalados
passos em direção...
os braços não dobrariam a cintura do imponderável.
Que delicada existência que transgride,
cevar-se em tempo certo.
Nunca é noite suficiente para dormir
Quando viver chove grande em nós.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Exaltação
Viver! Beber o vento e o sol!... Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!
A chama, sempre rubra, ao alto, a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!... O orgulho de criar!...
Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos extáticos, pagãos!...
Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas:
- Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!...
Florbela Espanca
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!
A chama, sempre rubra, ao alto, a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!... O orgulho de criar!...
Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos extáticos, pagãos!...
Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas:
- Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!...
Florbela Espanca
domingo, 4 de abril de 2010
Um beijo
que tivesse um blue.
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor "à escuta"
diria meu amor
Ana Cristina Cesar
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor "à escuta"
diria meu amor
Ana Cristina Cesar
Vôo
Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.
Cecília Meireles
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.
Cecília Meireles
Ator no olhar
Abstrato
na boca
Rugas
rubras a marcar
Minha
fisionomia transloca
Se
minha verdade não posso ter
Tu
também não terás
Assumo
a culpa por assim dizer
Pois
alem de criatura voraz
A
mentira como a verdade
Não
existe mais
Meu
discurso completa o que eu ressentia
Existe
chave para abrir essa poesia
O
que a fecha
Não
se vê hoje em dia
G.
Passagem da Noite
É noite. Sinto que é
noite
não
porque a sombra descesse
(bem
me importa a face negra)
mas
porque dentro de mim,
no
fundo de mim, o grito
se
calou, fez-se desânimo.
Sinto
que nós somos noite,
que
palpitamos no escuro
e
em noite nos dissolvemos.
Sinto
que é noite no vento,
noite
nas águas, na pedra.
E
que adianta uma lâmpada?
E
que adianta uma voz?
É
noite no meu amigo.
É
noite no submarino.
É
noite na roça grande.
É
noite, não é morte, é noite
de
sono espesso e sem praia.
Não
é dor, nem paz, é noite,
é
perfeitamente a noite.
Mas
salve, olhar de alegria!
E
salve, dia que surge!
Os
corpos saltam do sono,
o
mundo se recompõe.
Que
gozo na bicicleta!
Existir:
seja como for.
A
fraterna entrega do pão.
Amar:
mesmo nas canções.
De
novo andar: as distâncias,
as
cores, posse das ruas.
Tudo
que à noite perdemos
se
nos confia outra vez.
Obrigado,
coisas fiéis!
Saber
que ainda há florestas,
sinos,
palavras; que a terra
prossegue
seu giro, e o tempo
não
murchou; não nos diluímos.
Chupar
o gosto do dia!
Clara
manhã, obrigado,
o
essencial é viver!
Carlos
Drummond de Andrade
"A
Rosa do Povo"
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