segunda-feira, 3 de agosto de 2009





... e eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava, que somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, então o castigo é amar um mundo que não é ele. É porque também me ofendo à toa. É também porque precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. (...) Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes eu me acho de amor inocente. (...) Talvez eu tenha que chamar de "mundo" este meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza?

Clarice Lispector em Felicidade Clandestina

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