domingo, 4 de novembro de 2012

Separação


Vyacheslav Koretsky

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade das conversas.



O amor não resistiu às balas, pragas,
flores, e corpos de intermeio. 


Empilhar livros, quadros, discos e remorsos.
Esperar o infernal juízo final do desamor.



Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
- pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo, fotos de Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.



Amou-se um certo modo de despir-se, de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa.
Amou-se um certo modo de amar.



No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos,
malas desesperadas, soluços embargados.



Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.



Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?



Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.


Affonso Romano de Sant'Anna - 1937


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