domingo, 18 de outubro de 2009

Casca

Franz, abre a porta.
Me deixe enlouquecer.
Seu pai está deitado no sofá da sala.
Ele pode está morto. Não sei.
Eu que desejo a morte do meu,
talvez.
Preciso arrumar o quarto para escrever.
Começo pelas gavetas, papéis ou roupas? Indefinido?
Começou o horário de verão.
Faz um ano que rasguei o projeto de férias em alguma cidade aguada de cachoeira.
Minha garganta está seca.
Você bem disse que eu não levantasse da cama,
mas estava com medo,
tive sonhos acelerados.
Acordei com a mandíbula pressionada.
Fui vagar na rua, encher o pulmão de fumaça.
Me diga, quando eu vou morrer?
Franz, me alegra a vida,
especialmente quando vem acompanhada de molho de tomate e macarrão.
Os legumes e frutas dispostos no interior do ônibus também são lindos.
Reparou como meus olhos são castanhos? São como mel? Não?Tudo bem.
Tenho mel na prateleira que adoce seus sulcos.
Estou com muito sono hoje.
Não consigo te escutar perfeitamente do outro lado da porta.
Abra a janela ao menos.
Esta não é a hora dos insetos voadores.
Espere, vou apagar meus olhos alguns instantes.
É que a louça está acumulando na pia da cozinha e esta é a medida de minha loucura.
Ou diversão, depende se é carnaval.
Também me agrada continuar a conversa,
mas seu pai me fez chorar.
Meus olhos estão ardendo.
Não consegui ler os versos sem falsear a voz.
Me comprazi com a finura de seus nervos e o espetáculo de seu gênio.
Um perfeito canalha, como aquele que me deu meu sangue.
Que herança.
Por isso, te perdôo por deixar-me sozinha com ele na sala.
Caso esteja realmente morto,
saiba que não o servi nem ao menos chá.
A não ser que o sal de minhas lágrimas tenha gerado alguma espécie de alergia fatal.
Se o matei, não foi proposital.
Ele já estava morto, como o meu está desde um tempo muito amargo de pronunciar.
A cor dos meus lençóis são verde e violeta.
As violetas estão tão floridas na soleira da janela.
Abre a janela.
Prometo que não vou me jogar, tem macarrão para a ceia.
Franz, viver precipita.
Procura o sentido no dicionário.
Queda, caída, descida rápida.
Extrema velocidade.
Grande pressão.
Afobação.
Ou quem sabe Deus tenha intenções químicas e resolveu separar
nossa matéria em forma de sedimento
do líquido onde se encontra dissolvido nossa existência.
Muito mais inteligente do que eu, você deve saber
ou fingir que sabe.
Adiantou em uma hora o relógio?
Morto faz isso?
Uma hora que passou e não vivi.
A única hora do ano que não envelheci uma hora.
Eu sei. O poema não acabou.
Não fique nervoso comigo,
tenho obrigações a cumprir ainda neste dia.
Preciso circular os anúncios no jornal.
Revisar os textos.
E urgentemente diminuir a pilha de louça na pia da cozinha.
Evitar baratas, sou péssima em matá-las.

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